Sobre "Crime e Castigo", Fiodor Dostoiévsk

O que dizer? A natureza de um crime é maleável? Um profunda psique pode se abalar. Loucura, bondade, confrontos íntimos. Ao não saber o que fazemos com as próprias vidas, terminamos por nos entregar ao inquisidor superego a julgar nossos atos alcunhados profanos. Pecar é irromper a consciência ou transgredir leis de mármore? Indivíduos sobrepujantes merecem isolamento? Miséria! Não basta ter dinheiro. Desonra! Não basta ter ideias. Basta! Os suores do meu corpo não mais perscrutarão a relação humana roçando na pele incandescente da sociedade. Não há erros e acertos, e a felicidade não depende de nada para perpetrar no vago da mente. Persignar-se oh! Sibila maquiavélica, beata incondicional, simples camponesa a remoer vosso néscio procedimento de rancor contido. Somos presunçosos.

- A vida é isto! - Sim, diriam os pessimistas. - Não! - os realistas ou aqueles que reconhecem sua cegueira. Cega humanidade! Se entregue para a redenção que jamais reparará seus erros.

Divagações sobre a ascética

Tanto a religião, quanto a filosofia já pregavam a modificação das paixões em busca de um comportamento sábio. A simpatia, empolgação, a antipatia, desprezo, tendem a esmaecer a satisfação e distanciar o indivíduo do verdadeiro absoluto. A abnegação, apatia, tende a ser vereda pela qual as virtudes podem ser fixadas definitivamente. A primazia deve estar no saber. Temperança é uma consequência. Os sentimentos imanentes estimulados pela sociedade não podem seduzir o sábio: desejam transviam as atitudes e pensamentos. Porém se os ardores do corpo físico não permitem o equilíbrio, qualidades almejadas desvanecerão com nas primeiras contra investidas. A juventude torna-se um duplo obstáculo, anexa-se a falta da diversidade de experiência e contemplações de outros sistemas, além da deglutição interconectada dos conhecimentos. O uso constante da sabedoria também trará a melhor forma de expressar a fim de perpetrar o conhecimento.

A que veio este blog?

Para um cientista (ou pretendente a) lidar apenas com fatos se torna pouco. Posso inventar um método analítico para mensurar em nanômetros o quão vermelha uma rosa é. Fazer apenas isso seria fascinante. Mas para mim não basta.

Este blog é um laboratório. Mas um laboratório do significado, não das causas, tão pouco dos fatos. Os fenômenos me interessam.

Lidar com a mais insossa das matérias-primas, o conhecimento, tornou-se meu ópio. Um vício incurável, marca indissociável do caráter. Não adianta, meu rótulo é esse. Ponto.

Navegar pelo significado da ciência, emoção, da alma é uma busca arrogante e antiga do homem, sempre a intentar contra o incólume Olimpo. Hoje os homens são os deuses, já que os matamos um a um. E sendo deuses podemos tudo.

Descrever um indivíduo como vetor binário e projetá-lo no espaço pode ser uma boa abstração, tanto quanto traçar suas marcas de personalidade, submodos, predileções e projetos. Transitar entre inferências ou deduções tornam-se as pegadas na areia daqueles que usam jaleco. Muitas vezes o mar leva estas marcas de posteres e resumos. Por sorte algumas poucas marcas são vislumbradas por um ser olímpico que as promove ao status de continuidade. E de ombro em obro de gigantes vai caminhando nosso doce e intragável saber.

Odisseia pueril - parte 3

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Curioso, com os meses caminhando
Conhecendo apenas o que por simples vejo
E o longo, longo tempo vai passando
Em afresco vou pintando o impossível beijo

Antes estivesse num conto,
onde finais felizes sempre presenteiam
protagonistas e ouvintes com o belo excerto
enlace desejado, finais que não me dardejam.

Serás sempre a rosa esmaecendo
marcando a inevitável morte do horrendo.
És a bela, eu a fera estigmatizada
pelo ferro ardente. Paixão desvairada.

Quebro a taça, licor não há mais.
Firo a ponta do dedo num tear
imobilizando a todos. Enfim alguma paz!
Venha nobre pequenina, venha me salvar!

Estará no céu, no castelo do gigante?
Na doce casa, entre balas, flocos e confeitos?
Ou na távola redonda, erguendo brindes, saltitante.
Para outro que tomou seu coração com lábios suspeitos?

Inocente, passivo espero.
Vou lendo, criando uma divina.
Cultuando sentimento com esmero.
Até um dia, quem sabe, ela se aproxima.

EXISTES? FANTASMAGÓRICA VIAGEM INDIVINA!

Com o passar de infinitos crepúsculos
tantos sonhos, noites em leito puro
Deito a pena construindo meus opúsculos
Narrando a vida, da lua seu lado obscuro.

Penetro no Hades, procuro minha alma fantasmagórica
Encontro espelho, Narciso contemplando-me
Eu, ser vivo neste outro mundo, figura alegórica
Quero me perder, afastas de mim tal amoroso ditame.

Faíscas dum anil fogo a lampejar
acalentam o caminho deste gélido transeunte.
Um intruso, o ego lutando contra a submente,
Penetrando ruidosamente com chagas a creptar

Gotas calcáreas, espinhosa caverna
densidade repugnante, sórdido ar
da escarpa, os vapores da taverna
encerrada no encéfalo a putrefar.

Contemplo estarrecido tais disparidades
do recôndito, atônito, tamanho universo.
Jamais vi reunidas tantas atrocidades e vaidades
Soterradas num mesmo lodo, o lado perverso.

Da primeira mencionada, o belo desprezado
exercícios e tratamentos, quantos sacrifícios...
monstros inchados, músculo transbordado
arrastando asperamente, seu eterno ofício.

Tropeço, quase desfaleço numa câmara.
Antropozoomórficos seres, leões, ursos, víboras
lutam interminavelmente rasgando víveras
se taciturno és, aqui mostra toda sua ira.

E aos agitados de mente ativa
nos pregos do faquir criam a preguiça
Em metalinguísticos pesadelos, sem mácula esquiva.
abrasando seus horrores: - Rasteje, escória, sua carniça!

Se na ceara ceifaram abundância,
acumulando gorduras, oferecendo banquetes.
Penúria pujante em pérfida fragância
Sela seu fardo, vil delinquente!

Vejo lápides, estátuas em fragmentos.
Pântano necrófago, solos sulfurosos
Para os outrora cobiçosos em tumultos
Ao túmulo levarem os bens infortuniosos.

Etrusca necrópole, o oposto construído
para na morte vigorar o mesmo em vida.
Extensão dos anseios destituídos,
de ação, metafísica realidade não obtida.

Se na nefasta comédia não entendida
O findar feliz, do céu eu trouxer
O pergaminho, o segredo da desmedida
felicidade de encontrar-te, bem-me-quer!

Se taciturno sou, aqui brota coragem
para amar-te, tocar-te sem pudor.
Em teus seios pousam vestes transparentes
Delineando níveas formas, súbito estupor!


continua...

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Odisseia pueril - parte 2

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Na viagem ao passar entre cidades,
olhares oblíquos de jovem fêmea.
Será que tem algum afago por caridade,
Para este pobre enamorado na peleja?

Nada, fica somente com sorrir faceiro
alimentando mais ainda meu pesar.
Ao chamar-lhe indica sua mãe no eleio
Não amenizando meu cáustico amar.

Do que adianta procurá-la em lábios de outrem?
Acariciar meu reflexo do baço vidro?
Perder pensamentos que nada fazem
Ao ver passar seu sagrado abrigo?

Para tantos uma casa como as outras...
Para mim onde a ninfa dorme a devanear.
Leito onírico em que repousas.
Daria a alma apenas por um olhar.

MATIZES

Tantas noites mal dormidas,
horas passam sem olhos cerrar.
Alma fatigada e dorida.
Recobra alento com o sol a raiar.

Em convidativos gestos os sabiás
arrebatam-me da cama: - Vá nadar!
No mar azul com que me olhas,
vejo o espectro da amada a cintilar.

A fria lua faz as pazes com o astro impiedoso
mostrando a possível e bela fusão dos antagônicos.
Será um sinal ao lograr por terreno pedregoso?
Vencerei o embate das confusões e pânicos?

Refrigera-me ó doce visão da amada.
Se tamanha formosura adornasse minha lágrima,
haveria deste mar se transformar em cristal.
Congelaria o vento, o sol, a arrevoada
Para fazer-te brincos, oh flor virginal!

Transborda-me deste etéreo sentimento,
destituído de profana intenção.
Prostro aos teus pés a candura deste lamento,
faça-me teu, sorva-me numa libação!

Do rubro sangue purpúreos trovões.
Do estampido, doces conclusões.
Do cinéreo vício passa a chover.
Do vago crânio mais nada a dizer.

CÂNDIDO AMOR, COMO NOS CONTOS

Entre fadas e duendes aguardo meu destino.
Bruxas e castelos não são mais empecilhos.
Apenas a varinha de condão livrará o desatino,
tornando príncipe, da terra este pobre filho.

És o leão que perdeu a coragem.
Seguiste a caminhar com outros neste sonho
Sábio mago, a solução no fim desta viagem.
Mostrou que sempre carregou consigo tal ganho.

Prenderam-me na torre, cortaram meu cabelo.
Esperarei mil e uma noites, vou escapar
deste labirinto verde, fujo do apelo
ao grito do exército de cartas a se lançar.

Se na densa floresta encantada
a flecha do nobre ladrão me atingir,
será melhor que a maça envenenada?
Pois não terei o beijo do despertar a cingir.

Estremeço após as doze badaladas.
Não quero de perto de ti partir.
Mesmo em silêncio quero admirar,
Sem importar em criar porvir.

continua...

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Sobre "Os sertões", Euclides da Cunha

A terra, o homem, a luta. Abre-se com pitoresca descrição das intempéries pertencentes aos solos áridos e sua consequente lapidação no espírito. A sórdida ingenuidade de um povo mestiço e carente, uma invenção europeia de quem fracassou no intento da limpeza étnica praticada pelos colonizadores no norte. Alimentou uma esperança triunfal de salvação mediante o estoicismo severo pregado pelo penitente Antônio Conselheiro. A corroborada incompetência do governo recém instaurado fortaleceu a lenda de Canudos, ao fazer de uma empreitada simples, exterminando meia dúzia de miseráveis, uma verdadeira Ilíada com menos requintes intelectuais dada a brevidade da história do povo que a criou.

Porém tal história foi fortemente adornada por crendices e atrocidades em meio a elementos naturais aterradores. As genuflexas famílias suportaram a bombardeios, incêndios, chacinas e tiveram suas 5200 casas, além de duas igrejas totalmente destruídas. No fim, quatro jagunços foram assassinados por soldados rugindo raivosamente em cinco mil. E o triunfo a cabeça de um profeta.

Odisséia pueril - parte 1

Estes disformes versos foram deflorados há muitos e muitos e muitos anos, talvez uma década ou uma dúzia. Na época subestimei seu potencial, porém hoje levo tal intento com um jocoso sorriso de esgueira. Divirtam-se, caso o faro seja de seu paladar. Afinal, esta não passa daquelas historinhas pueris que testam nossa paciência...




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LIRA PRELUDIANDO O CAOS

Na diáfana manhã se estendia
o que seria martírio para a vida.
Prenúncio de metamorfose alucinante
pairando sobre uma mente calcinante.

No percurso de enfadonhos estampidos
a saltar sinuosidades e desvelos.
O caminho agonioso de paralelepípedos
velozmente repelia-nos sem zelo.

No estranho submundo das pendências
a nova edificação se conhecia.
Nômade vida de brandas penitências,
depara-se com altaneira adolescência.

Ansiedade pousada sobre os ombros.
Amarelos corredores percorrendo isento.
Passos mal calcados por pés congros,
Olhos perscrutando novo alento.

Eis que a etérea visão se aproxima,
Dentre tantas visões a inquirir:
Quem é o novato a se introduzir?
Quem é a detentora daquele par de imãs?

ESTENDE-SE MISTÉRIO DURADOURO

Esclarecida a procedência do indivíduo,
instalam-no posicionado no improviso.
O cotidiano dilui-se como precípuo.
Postergando a querela interna sem aviso.

O atávico sentimento lusitano
Está prestes a renascer seu fado e glória.
Prestimosa juventude e seu arcano,
Alevanta ascendência ibérica sem deplória.

A primeira das noites inquietas,
permeada pelo ruidoso brado do mar.
Suores, labor das horas infinitas,
desbravando as planícies do insurgido amar.

Facínora aquele que implantou no homem,
tal vocação para aterrar-se em afronta
ao pacífico equilíbrio enquanto gérmen,
aturdindo abrasante sem remonta.

Por que malogras tal sentimento procurado?
Qual erro o faz chamar desditoso?
Se falta na vida alcunham-no desafortunado.
Se excede o chamam por fogoso.

Bem sabeis, pode há alto pedestal erguido
quando corações batem em alinho.
Mas na bronca queda jaz dolorido
quando vive no martírio sozinho.

Nova aurora rompendo tempo escuro
Afugentai estrelas de lúgubre luz.
Dilacera-me enquanto a dor não produz,
tentáculos urticantes façam brilho puro!

Corra veloz, condução nefasta.
Leve-me para aquela misteriosa alma.
Resplendor da face pura afasta
envolvendo-me em miséria e trauma.

SOSLAIO INTERMITENTE

Penso estar em níveo trono.
Querubins apontam suas liras.
Zéfiros sopram cânticos sedosos.
Em manto suave enlevo pensamentos.

No peito a primeira chama colhe.
Indago: - Que sentimento é esse?
Pode ser isso amor que a força tolhe?
Pode ser a paixão que me desfalece?

E ela, tão distante dos meus porvires...
Como vê o mundo gigante?
Será a Terra pequena como sua íris?
Será maior que meu peito arfante?

Temo ofuscar me ao apontar a face.
Subitamente de rei em meus gestos,
viro escravo a mercê de sua vontade.
Tens o poder de fulminar sem manifestos.

Desejaria uma divina bondade,
que suas duas pérolas trouxesse.
Para que ao menos sua voz degustasse,
Nesta confusa jovem mente, disparidade.

AFASTA DE MIM...

Cale-se! Pensas tocar o firmamento!
Presunçosa inexperiência sem pudor.
Mente ingênua sem fundamento,
pare de chamar em vão ao Senhor!

Mova-se deste estado letárgico.
Volte a respirar em normal cadência.
Para que temer final trágico
se na fronte tens a pueril adolescência?

Para que temer em irromper impulsos?
Contê-los somente o deixará na inércia.
Jamais terá seu rubros lábios voluptuosos,
Nem braços, abraços e peripécias.

És mais abstrato que concreto.
Amas mais o amar que a amante.
Glorificas a chaminé que ao asbesto.
Sem calmaria, num tornado delirante!

Cavalgas em imaginários pégasos.
Despencas em vales de unicórnios.
Desvelas cortes, adornas noturnos vasos.
Caminhas displicente em seus domínios.

Às margens de rios alimentados por ânforas,
Vê tenro idílio a depositar-se.
Molhas, solta, as madeixas sem vergonha,
No mesmo rio que Afrodite usa para banhar-se.

No incólume campo se desponta,
na ensaboada bolha que o leva
Num estouro a realidade apronta,
Uma prova que sua cabeça vela.

Desperta! abra sua gramática!
Drummond está no meio do caminho.
Qual é a solução para esta análise sintática?
Na deriva, o português meu desalinho.

A PRESSA DA PRECE

Anjo traga-me a mensagem,
dos meus votos elevados ao Excelso!
- Meu filho, ela é de carne, não uma miragem.
Não importunes com seu bradar em excesso!

O que faço se a dor é tanta?
Ergo tal barreira invisível...
Não sei a quem clamar senão à divina e santa.
Preciso superar tal muralha intransponível.

Nada ouço. Movimentarei o belo e o ideal.
Permitas eu emanar tal desejo transcendente.
Alimentar-me deste sopro imanente.
Deixar voar a alma em cada ponto cardeal.

QUERO FALAR CONTIGO

Dias no recôndito observo
cada suspiro, feito ou gesto.
És tão bela, seria teu servo.
Mas nada faço, nada manifesto.

Como inventar oportunidade?
De onde virá tal pretexto?
Se fico a imaginar como tu és,
termino por compor um soneto.
mas temo, como quem se aproxima de uma divindade.

No meu ventre estranhas reações.
Minha garganta seca a voz.
Na mente jazem brutos vulcões.
Mão trêmulas, nada entre nós.

De onde vens? O que sonhas?
Minas Gerais, quero ser médica.
Coincidência! Mesma origem remontas.
Na profissão desejo a mesma prédica.

Breve conversa.
Preciosa esmola.
Reduza a pressa.
Deixo a escola.

LABOR, LANGOR.

Qualquer labuta serve
para com outros pensamentos ocupar.
Quando anseio deixar o que se deve,
nada faço, senão trabalhar.

Porém, o rádio sopra impertinente
melodias tristes de simples gente.
De poesia barata, fácil e romântica
trazendo a memória daquela que encanta.

Nem mesmo, ambulante, a percorrer
de pés descalços a água do mar.
Dos fardos o provento, mas nem ao morrer.
Despedirei deste pesado amar.

continua...

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Pra que perdoar?


Pra que perdoar?
Se fazes tanto o sentir?
Se tornas a magoar?
Se praticas o ferir?

Pra que perdoar?
O mundo acabou.
A salsa virou.
O sapato partiu.

Pra que perdoar?
Seus olhos não sambam.
Seu viço não vinga.
Seu colo não dorme.

Pra que perdoar?
Se morres a cada minuto.
Se mirras teu sofrimento
Se tosas amores.

Perdoar não tem serventia.
Não denota, não indicia
De  trazer seu amor facínora
De cobrir-me das cores do dia
De amar-te com o brio do vento.

De tocar-te com a pluma do ninho.
De roçar-te com o som do momento.
De fazer-te criar o soluço do vinho.
De brincar-te, fugir-te, sugar-te.

Irromper tua lingua, ferir teu materno.
Rasgar, rangar... Sorver-te morta.
A morte meu perdão? Não.

Pra que perdoar-te?
Pra que perdoar-me?

Perdão para os fracos, viciados no erro, descaminhados na vida.

O perdão é um erro!

Pra que perdoar?

Nossa exposição sem filtros UV no mundo virtual

Com tantos veículos de comunicação e relação social do tipo msn, facebook, orkut, twitter, blogs, e por ai vai, muitos se perguntam: Corremos o risco de sofrer uma metástase virtual? Especialistas recomendam cuidado ao divulgar dados pessoais ou comprometedores de si, principalmente àqueles que procuram emprego ou mesmo trabalham em empresas de conduta tradicional... Mais uma vez as pessoas ao interpretarem seu papel existencial devem se metamorfosear em algo que não são conforme o recinto...

Arrisco ao dizer que a superexposição ajuda a desmistificar (e uniformizar) as pessoas, mostrando que indivíduos competentes e altamente profissionais podem procurar seu par romântico no badoo (um site que foca no cruzamento de pessoas em grande parte meramente pela superficial observação de fotos dos indivíduos). Ou senão poderiam ser flagrados dançando em cima do balcão de uma night club com a gravata na testa. No que isso impactaria no desempenho profissional? Obviamente se não envolver vícios ou tendências autodestrutivas eu diria que felicidade e descontração até contribuem para melhora do desempenho. Perdoem o clichê corporativo, mas gosto de repetir que um indivíduo de bem consigo mesmo produz mais.

Há muito falo: seriedade não tem nada a ver com senso de humor... Hipocrisia é aterrorizar na noite e fazer de conta no dia seguinte que nada fez, e ainda corroborar a esquizofrenia da convenção social taxando os outros que expõem suas aventuras...

Qual estereótipo você vende?

Quais artefatos usamos para expressar nosso eu? Seria através da roupa, fala ou comportamento? Algumas pessoas precisam gritar sua expressão. Exasperadas se vestem, mudam a fala, pintam o corpo, batem o pé, batem no peito, entram na roda e mergulham na lava coletiva da percussão que as carrega (ou seria lodo?). Certamente duvidaríamos da capacidade de apreciação de rock por um típico gerente de telemarketing com sua camisa de botão, óculos e porte estressado. Será que um motoqueiro com colete de couro e caveira nas costas apreciaria ópera? Na maioria das vezes apenas vemos listras pretas em meio a essa savana de camuflagens. Tudo são zebras. E sendo todos equinos nossos treinados olhos não se tornam capazes de enxergar além do estereótipo. Assim, sendo zebra, transpareça o que é, pois se aparentar um dromedário dificilmente atingirá seu objetivo existencial de zebra, principalmente o do acasalamento de culturas. Não se relacionará com outros da mesma espécie e ainda ficará desconcertado no meio de convívio desejado. Por mais que usemos muitas máscaras freudianas infelizmente não se pode abandonar a pragmática sobrevivência neste mundo que apenas enxerga com os olhos e adestra filhos com preguiça de entrar no infinito particular dos outros. Portanto, embora intrigante o fato da aparência ser uma mera representação eu vos digo: - Aparente o que você é!

Sobre "O anticristo", Friedrich Nietzsche

Realmente as deturpações do cristianismo foram um retrocesso para o espírito e para a ciência. Nietzsche não poupou a religião e seus fundamentos (os símbolos). Mas tive a impressão que poupou Jesus, mesmo massacrando seus princípios alcunhando-lhes como "antivida". Por não encontrar justificativa na virtude cristã as antagonizou. Tal exercício é relativamente fácil fazê-lo. Gostaria de saber como o autor se comportaria ao ver o rumo que a força religiosa tomou contemporaneamente. O enfraquecimento e a flexibilização assegurou sua precária sobrevivência enquanto instituição de poder. A constituição do homem vem se tornando mais científica e cética (como ocorreu na Alemanha de algumas décadas atrás). Sua condenável aproximação do científico com o religioso o converteu, pelo tom, num religioso anticristo, um simples antagonismo pelo antagonismo. Assim foi minha parca e limitada compreensão deste profuso e profundo revolucionário do devir. (set/2009)

Desinências e variantes do amor

Amar altivamente será desejar sempre bem o amado? Mesmo em detrimento da própria pessoa? E quanto estamos dependentes, quando escorre a lágrima solitária no rosto desfigurado pela saudade? Não seria simplesmente o único conforto ver bem o bem querido? O amor pode vir sozinho? Não seria dissonante? O amor pode ser puramente físico? Etéreo? Amor somente na candura? Platônico? Há amor na perniciosidade? Deve-se ser capaz de fazer tudo pelo amado? O amor faz sofrer? O amor é divino? Deseja, então, divinizar-se? A tudo consola? Há motivos para consolo quando se ama? Tudo não deveria tornar-se pleno? Há sofreguidão? Langor? Melancolia? Sempre há vida e força? Vigor? Ápice? Ou envereda pela neutralidade, equilíbrio? Existe ou é um conceito desmesurado para se explicar o que não se explica? (out/2003)

Deus: panteísmo e mais um pouco

Numa gradação podemos colocar arte, religião e filosofia. A primeira jamais tocará o absoluto, a segunda pode fazê-lo inconscientemente. Ninguém cai de joelhos diante de um Van Gogh ou Da Vinci, mas a religião faz tocar o suprassensível. A filosofia o pretende através da consciência. Deus está em todo lugar. Existe antítese para tudo (terra e ar, branco e preto, anjo e demônio) mas não existe para "Deus". Nele o tudo e nada passam a ser uno, porém o absoluto é a parte componente do todo e ainda além. Deus é formado pelo todo absoluto e universal e pelo que jamais vai existir para o universo, como os pensamentos. Deve haver outras limitações além da matéria e energia, e os códigos do pensamento. Deus é transcendente a conceitos. (março/2003)

Sobre "Humano, demasiado humano", Friedrich Nietzsche

Ainda na busca por inventar um artefato para mensurar a distância entre o Homo sapiens e o humano, vi nesta obra algumas das peças que poderiam compor meu intento. Será o "humano" tão cru, àquele que não vê nada mais que um copo pela metade? Cujas convicções vão minguando em nome da perscrutada certeza? Nossos desvios morais movidos pelas paixões não caracterizariam esse "humano"? O entusiasmo pela religião não caberia à ciência. Um bom humano toma por mãe a mansidão dos pensamentos em busca da verdade, a qual não pode ser irrefutável, pois viraria dogma. Mas e se a ciência tiver nascido dos impuros instintos descobrindo que a religião é sua avó, do tipo que se faz ouvir sem sabermos por que e nos faz acatar suas determinações mesmo sem entender?

Sobre "Elogio da Loucura", Erasmo de Rotterdam

Façamos odes e libações à deusa Loucura! Despertemos a louca sabedoria, abdiquemos do predicado almejado na arcaica Grécia! Nobres, tolos, bispos, néscios, povo, vivos! A morte traz-nos a filosofia? Claro! Deve-se libertar do invólucro nefasto, sem esquecer de alimentá-lo. Das sutis maluquices às doideras desmedidas (triunfo maior). Somos todos doces templos cultuando nossos estereótipos, manias, objeções e consonâncias. Ah! paixões... doces e amargos licores a por lenha nessa máquina presunçosa e egocêntrica. Faça-me um favor: queime esta página, aliás, o livro todo!
Não! que impropério! Buscar a sabedoria é a maior das loucuras! É arriscar-se a ficar desgostoso e decrépito! Não é necessário exasperar-se. A Autora não conheceu os neofilósofos. Mas a obra é tão contemporânea que fez-me leva-la com insano sorriso...

Sobre "O pequeno príncipe", Antoine de Saint-Exupéry




Homens intransigentes em seus planetas. Voltados plenamente para si, caçando soluções para ideias que se tocam com os olhos. Ouvir as estrelas... pontos luminosos que escondem em seu mistério a face amada.
Ouvir as rosas. Sim, todas são rosas, efêmeras, rosas... Cativam-nos, choramos, partimos...


Onde estará meu mundo? Qual guiso brilhante devo ouvir? Basta amar. O amor torna único no universo o que antes parecia comum.  Basta amar. A resposta para tudo que jaz oculto na incompletude da postura de gente grande. Vamos enrijecendo paulatinamente até nos conformarmos com números e egocentrismo. O doce beijo daquela dama que veste o negro capuz nos tornará plenos. Como eternos voltaremos para as efêmeras rosas cativantes. Basta tombar devagarinho... como uma árvore tomba.

Sangrando legitimidade

A velha história de que para falar de sangue devemos estar sangrando... De fato podemos questionar a legitimidade dos poetas que falam de amor sem submeter-se aos eflúvios deletérios e revigorantes deste negócio alcunhado sentimento.

Fazer poesia com o corpo pode soar como pecado para alguns, mas somos tão infensos à efusão lírica... Pode a consciência vagar pelo campo da realidade construindo-a a ponto de tornar genuína uma experiência não vivida? A ilusão comercializada alimenta nossos vorazes instintos imaterializados. Entulhamos pensamentos influenciados pelo grande irmão em prateleiras rachadas prontas a desmoronar na cabeça desbastada pela opinião deste onipresente ninguém.

Se para chegar mais longe precisamos escalar em ombros de gigantes, e se para chegar em algum lugar diferente precisamos trilhar caminhos por onde outros não foram, como atingir autonomia de pensar com os próprios pensamentos? E sentir o que sentimos? Sendo animais sociais, cujas influências advém dos contatos, não podemos autenticar algo como inovador senão como uma versão diferente do mesmo.

As variantes não são tão numerosas... É bem provável, então, que apenas o sentimento possa legitimar o ato. Sendo assim, devemos nos proibir o sonho, a insanidade, a improperiosa suja poesia da conquista vazia, da parede em casca, do frasco sem essência. Melhor não criar envólucros para a dor, tesão ou tédio. Melhor apenas desejar sem explicações. Melhor derivar, divagar por ladeiras úmidas e desprender a poesia do limbo das veias enquanto sorvemos o sangue da amada.

O medo e a morte das palavras

Palavras como preto, viado, leproso, aidético ou omoplata podem ser consideradas proibidas nos dias de hoje. No mínimo aqueles desavisados e despretensiosos que proferi-las sofrerão algum tipo de preconceito até justificar seu uso pelo contexto. Como diria a mãe de Caetano: - Venha ver o preto que você gosta.

As palavras dizem o que dizem e não podem fugir da face de dicionário, mesmo diante das suas mil faces ocultas.

As pessoas preferem mudar as palavras ou nomes como mecanismo de fuga do temeroso enfrentamento da semântica. Estigmatizar uma palavra, deixando-a no exílio empobrece a moral sob a ótica da fragilidade em formular conceitos e encaixar-se neles.

Sendo afro-descendente, negro ou preto não muda o fato de ser dotado de dosagens superiores de melanina e ter origens Africanas (diga-se de passagem, todos nós compartilhamos a mesma origem). Ser homossexual sem se considerar viado, baitola, boiola, etc, não muda o fato existencial. Pior seria negar a condição, deturpando sua existência ao procurar aparentar o que não é.

Diante das características de personalidade e caráter podemos revelar que um bom índice de maturidade seria rir de si mesmo, achar graça da graça dos outros. Daí poderíamos elevar o calão das palavras desmistificando-as: - Palavras são apenas palavras... ações são apenas ações! Dizem que em tempos remotos, os São Paulinos ao descerem a serra para a Vila Belmiro chamavam os torcedores do Santos de "peixeiros". E bradando os santistas repetiam: - Somos sim! Daí surgiu o mascote deste tradicional time de futebol (que lamentavelmente substituíram por um mamífero). Apenas quando não assumimos nossa real condição ficamos ofendidos quando somos chamados por sinônimos. A questão da identidade, do eu, ultrapassa a esfera dos rótulos.

Parte da consciência do existir e da dimensão do espaço que ocupamos. Torna-se um problema nos enxergar demasiadamente sobre o que acreditamos ser a óptica do outro. Ao conjecturar o que as dezenas de pessoas que convivemos pensam de nós terminamos por pensar menos o que somos com nosso próprio pensamento.

Podemos desfigurar a visão de nós mesmos, recaindo em predileções falsas, modismos ou mesmo no vazio pela falta de posição, opinião. Este vazio, cedo ou tarde, será revelado diante de impasses, cuja conduta certamente será considerada como incoerente, paradoxalmente veiculada ao fato de não haver objeto de contradição.

A ofensa somente existe em função do ofendido se deixar ofender. E... por favor... não se ofendam com as redundâncias nem o som de algumas palavras aqui empregadas.

Sobre "Morte e vida Severina", João Cabral de Melo Neto

A vida que teimosamente se renova. Na progressão radial do atroz desbotado sertão, ao verde da mata, nem mesmo o findar do Cabibaribe/Beberibe traz outra realidade que não remonte a morte por demanda daqueles que a custo equilibram as vastas cabeças paradoxalmente afetadas pelos desumanizantes três "d"*. O chão, carrasco e salvador, conforta plenamente, restituindo o negado pela ambição humana. Por que então não acertar o atraso dos naturais ponteiros e precipitar-se para a morte na fonte da vida? Teimosia, ora! Perseverança. Tola esperança! Quem sabe cobrindo nossos indigentes com jornal não chegarão a "doutor". Famigerada vida, anônima morte... Seja cicatrizada ou lodosa não resta escolha para o ser vivente: tudo dado, muito ou pouco, será cobrado.
*dermatite, diarréia e demência

Sobre "Jangada de Pedra", José Saramago

Ibéricos navegando errantes tal Dom Quixote. Amigos fenomenológicos, esparsos acontecimentos. Casais, nascimento. Ciência, eternamente equivocada. Sismógrafos no transe de um homem. Hércules na pedra em órbita. Uma vara a cortar a Terra. Arrevoadas qual cardumes unos. Um vão, cordão, enlace, azul. Êxodo por conta do Apocalipse, confluência num Gêneses crepuscular.
Os arrogantes Pirineus segregacionistas irrompem mais que a geografia. Somos ibéricos. Tordesilhas ainda impera por não voltar à África. O mundo é luso-espanhol. Ornamente seus promíscuos amores com bruscos corpos indagadores. Amigue-se com o mais excêntrico dos animais (encolere Baleia e nade no sertão) e conheça novas terras antigas pitorescas. Amarre a ilha com o celeste cordão para que não vá mais longe que tua imaginação infinitamente limitada.

Paquera Socrática

SÓCRATES: - Olá, posso conversar com você?
XÂNTIPE: - Claro...
SÓCRATES: - Eu estava vendo você do outro lado da boite... mas antes de falarmos eu gostaria de tirar umas dúvidas...
XÂNTIPE: - Sim... pode falar - balbuciou.
SÓCRATES: - Se você fosse homem e estivesse com vontade de conhecer garotas na noite você procuraria as interessantes ou as desinteressantes?
XÂNTIPE: - As interessantes, ora!
SÓCRATES: - E se beleza for um dos critérios, você iniciaria pelas mais belas ou mais feias?
XÂNTIPE: - Pelas mais belas, creio.
SÓCRATES: - Mas e se as belas não forem com a sua cara? Você insistiria ou partiria logo para as feias?
XÂNTIPE: - Olha, dependeria da minha inspiração para puxar um papo.
SÓCRATES: - Então ainda que uma interessante e bela mulher, a princípio, seja antipática, dependendo do papo ainda seria possível a conquista?
XÂNTIPE: - Tem que ser muito bom de papo! Mas o cara possivelmente tem que ser interessante e bonito, partindo do mesmo princípio.
SÓCRATES: - Não é verdade que os homens são mais apegados à beleza?
XÂNTIPE: - Geralmente sim, mas tem mulheres que caem na noite para ganhar...
SÓCRATES: - Então, chegou a hora de definirmos o que é uma pessoa interessante.
XÂNTIPE: - Pois é!
SÓCRATES: - Veja, se algo causa interesse é porque remonta a algo do interessado, concorda?
XÂNTIPE: - Começou a falar difícil...
SÓCRATES: "Estou perdendo a batalha" - pensou. - Mas vamos lá. Algo que desperta interesse provavelmente vai nos retornar algo, certo?
XÂNTIPE: - Certo.
SÓCRATES: - Então quando queremos retorno de algo é porque desejamos esse algo.
XÂNTIPE: - Sim...
SÓCRATES: - E você concorda que nossos desejos dizem algo do que somos?
XÂNTIPE: - Concordo.
SÓCRATES: - Portanto, a escolha de uma mulher diz o que o rapaz é?
XÂNTIPE: - Nossa! Nunca tinha pensado nisso! Mas os caras sempre chegam em todas!
SÓCRATES: - Será porque eles não saibam o que são? - sorriu.
XÂNTIPE: - Você é engraçado...
SÓCRATES: - Mas se você fosse homem e ao abordar uma garota não conseguisse embrenhar uma conversa. Você não vai tentar uma próxima?
XÂNTIPE: - Claro! Se eu estiver com disposição para levar fora a noite toda... - sorriu.
SÓCRATES: - Mas eventualmente haverá alguém que queira conversar...
XÂNTIPE: - Tá certo, tudo bem.
SÓCRATES: - Então é natural que o homem faça várias tentativas?
XÂNTIPE: - Mas você acabou de falar que esses caras não sabem quem são! Estou confusa...
SÓCRATES: - Olha, se um rapaz chega em uma garota, ele identificou algo nela que o interessou. Se ele chegou em dúzias de garotas totalmente diferentes é possível que ele não tenha se identificado fortemente com nenhuma.
XÂNTIPE: - Agora sim.
SÓCRATES: - E se eu disser que depois de você não vou fazer nenhuma outra tentativa?
XÂNTIPE: - Eu sou a primeira da noite?
SÓCRATES: - Sim, como falei, eu fiquei só observando... e por um bom tempo.
XÂNTIPE: - E aí veio conversar?
SÓCRATES: - Isso!
XÂNTIPE:  Então você não vai sair atirando para tudo que é lado?
SÓCRATES: - Definitivamente não!
XÂNTIPE: - Você disse tudo isso para dizer que se interessou por mim?
SÓCRATES: - Por demais! - sorriu jocosamente.
XÂNTIPE: - Gostei... como você disse podemos começar a falar por agora...

texto em gestação...

Sobre "A fenomenologia do espírito", Hegel

Fragmentos de sua vasta obra proporcionaram um espectro do que possa ser Hegel. Na intensa busca transcendental do que é pelo espírito encontra uma natureza que se opõe ao espírito finito e este ao tornar-se absoluto atinge o que se chama "verdade". Assim, "o maior privilégio dos viventes consiste em ter percorrido este processo da oposição, da contradição e da negação até a conciliação dos dois termos opostos". A filosofia torna-se essencialmente "teologia racional", onde a religião supera a arte por tocar na parte mais subjetiva e satisfatória. Liberdade é praticar tais preceitos conscientemente, saber lidar com as naturais oposições gerando uma síntese para harmonizar-se. Ocorre a diferenciação entre o sensível e o supra-sensível, a essência e o absoluto, de modo que a verdade seja tangível e pode expressar-se na arte, mas fundamentalmente na forma de conceito.

luzes

O século das luzes acendeu uma vela nesta caverna em que vivemos, porém enquanto a chama estiver acesa corremos o risco de morrer sufocados. É impossível deixar de ficar aturdido quanto Jesus afirma que "bem aventurados são os pobres de espírito pois eles herdarão o reino dos céus". Como assim? Devemos galgar pela mediocridade, ou seja, a campestre simplicidade de gosto para não incorrer nos dissabores da demasiada reflexão? Ora, ao tomarmos consciência de nossa existência percebemos o quanto nosso eu pode estar expresso em si, e quanto nos vemos nos outros e pensamos o que os outros veem na gente. Ainda, vislumbramos tempestuosos pensamentos das perspectivas sociais e sufocamos na fossa dos excessos que incluem tudo o que comemos com os olhos. Em contrapartida, existem aqueles cuja opinião não passa de uma ou duas palavras do tipo "gosto...", "legal...", "chato...". Será deles o reino dos céus?

Voltando ao telúrico, já podemos nos considerar amaldiçoados por ter que processar e triturar a saraivada de informações tentando aliviar nossas consciências conscientes quanto a tomada de decisões supostamente de vida ou morte. Exemplificando temos as eleições... O bom indivíduo amaldiçoado deveria pensar enquanto enfia seu dedo na urna sobre os precedentes históricos desde Dom Pedro I, consequências econômicas do modelo social-democrata, nas perspectivas da sociedade de consumo com a consequente impossibilidade do bem estar social implicar em colocarmos dois carros na garagem de todos os cidadãos, na investigação do passado de todos os governantes e seu histórico de militância (e no fato de todos eles terem sido presos, torturados e deportados) e ainda prever no que todas essas variáveis poderão resultar incluindo a vida pessoal, caráter, terno e o taier de nossos candidatos. Destarte, teremos um voto consciente se twittarmos todos os candidatos, soubermos os planos das coligações e ainda avaliarmos a potencial capacidade de articulação, afinal, "ninguém governa sozinho".

É fato não podemos atingir a onisciência sem sermos atingidos por um raio ou termos partido o corpo caloso. Sempre recorremos a especialistas quanto admitimos ignorância. Obviamente, é mais barato pagar pelo conhecimento dos outros. Nesta tentativa de quantificar o conhecimento torna-se de bom tom recair na máxima socrática em perscrutar o tamanho da cratera de nossa ignorância. Ainda, em termos comparativos, dificilmente alguém terá uma visão suficientemente abrangente sem ser superficial ou especializada sem considerar todos os fatores que envolvem uma questão. Ou seja, toda a opinião é limitada, porém umas opiniões são mais elegantes por provavelmente abranger nuvens e nuvens de conceitos que nada mais fazem que dissipar-se em chuva, incluindo este texto.

Assim, se toda a opinião corre o risco de ser superficial demais ou profunda demais, colocando em dúvida sua real utilidade, não podemos afirmar ao certo qual tipo de opinião é superior sendo a discussão morta desde seu berço, e, poderíamos sofismar dizendo que a melhor opinião é a mais convincente. Na impossibilidade de diferenciar os indivíduos pela opinião ou profundidade de pensamento podemos dizer que todos herdamos o reino da ignorância desde quando mordemos o fruto do conhecimento do bem e do mal. Peço desculpa aos vaidosos que acreditam saber algo a mais que outrem, e repasso a dica de Delfos "Conhece-te a ti mesmo".

Sobre "discursos sobre as ciências e as artes e sobre a origem da desigualdade", Jean Jacques Rousseau

Bestas procurando os grilhões do subversivo saber. Curvando a natural autoridade sob preceitos de elevação da humanidade damos vazão às mesquinharias hipócritas da sociedade atual.

Quem diria? As luzes trazem as trevas do comportamento estereotipado. O bom selvagem entrega-se aos eflúvios da verdadeira e primitiva natureza humana seguindo benévolos instintos, sendo, portanto, livre ao modo dos bichos deportando as angústias para o lado estressado do Atlântico.

"Enquanto comodidades se multiplicam e as artes aperfeiçoam o luxo se estende e a verdadeira coragem se enerva, as virtudes militares se dissipam".

Rasguemos nossas vestes, queimemos nossas habitações, lancemo-nos ao berço florestal: savana!

Enclausurada verdade científica

A reflexão não é um galardão do apregoado pioneirismo grego em sistematizar uma nova forma de pensamento. Tão pouco foi este o primeiro “povo filósofo”, visto que 1000 a.C. os indianos já possuíam metafísica fundamentada, sabedoria, moral e ascética. Na verdade, muitas das conclusões obtidas pelos filósofos ocidentais foram uma “transmigração” de conceitos orientais sob a óptica metodológica do pensamento introduzido pelos gregos. A forma de buscar a verdade arraigou-se profundamente na concepção do homem ocidental. As ciências naturais e correntes de pensamento modernas, como o materialismo, surgiram totalmente impregnadas desta forma de pensar. O padrão, o estereótipo, foi lançado, muito se conseguiu com este modelo, mas hoje sabe-se que mesmo verdades antagônicas podem ser válidas. Tanto Newton, quanto Einstein estão certos, tal julgamento está correlacionado ao ponto de vista em que se observa.

Talvez o maior diferencial introduzido pelo pensamento grego seja a dissociação do mundo divino do mundo natural. Conforme preconizara Vernant, Zeus não governava o mundo, mas a lei (nómos). Buscar o princípio passa a ser uma premissa primordial da ciência, e a partir dele encontra-se a lei universalizante. Seguindo esse distanciamento do divino, os pensadores gregos buscaram a essência das coisas empregando elementos do mundo natural (phýsis), assim, segundo Tales a água é a substância originadora; para Anaxímenes, o ar. No entanto, a busca da verdade pelo que é puramente concebido na mente, o intelectivo, foi adquirindo aspecto superior. Anaximandro introduziu a existência de um elemento primordial formador do mundo, o indeterminado (apeíron), infinito e em movimento perpétuo. Esta visão de abstração máxima foi ganhando notoriedade, sendo a matemática quem possivelmente incorporou esta faceta com mais veemência, sobretudo com os Pitagóricos, extremando tal conhecimento acreditavam que a essência da realidade é o número. Alcançar a verdade não consistiu mais em ver com os falhos olhos físicos, mas ver além, com os olhos da mente.

A configuração do que seja racional pode ser ilustrada pelo comportamento dos romanos, onde tudo que não adivinha deste mundo greco-romano era tido como “bárbaro”. Ou seja, a medida que vamos nos distanciando dos padrões elaborados por esta forma de conhecimento estamos caminhando para o irracional. Todo conhecimento deve ser elaborado em determinados padrões explicativos (como esta dissertação, p.ex.) com ideias encadeadas e coerentes, sendo as outras formas de transmissão (narrações, poesias, etc) apenas distrações sem maiores vocações.

A procura pelas características que sejam inerentes a cada objeto, sendo a base das atuais especialidades científicas, pode ser considerada fruto da vitória do pensamento de Platão sobre os sofistas. No diálogo de Sócrates com Teodoro, em Teeteto, há o embate com o sofista Protágoras. Sócrates discordara veementemente de que “o homem é a medida de todas as coisas”, atribuindo que não haveria, assim, verdade, já que cada indivíduo faria da sua opinião a própria verdade. A visão arquetípica de Platão, afirma, num plano metafísico, a existência de uma verdade essencial dos objetos. Tudo que vemos são reverberações deste ideal, e a postura da busca do conhecimento diferencia os indivíduos que jazem nas trevas daqueles que saem de sua realidade ignorante para buscar o que já existe no profundo de sua alma, a verdade universal e imanente. Tal busca da verdade teve seus primórdios calcados neste pensamento da existência de uma verdade absoluta, e quanto mais sábio o indivíduo for se tornando em determinado assunto, mas próximo da verdade se encontra e sua opinião será superior a dos demais considerados leigos.

O ideal grego produziu os primórdios desta ciência de causa e efeito, de ato e consequência, ação e reação. De fato, após os três pilares da filosofia, Sócrates, Platão e Aristóteles, este pensamento foi pouco modificado até o século XVIII. Talvez se eles estivessem vivos atualmente condenariam a interpretação que foi repercutida de suas ideias. Tomar-se o mundo natural como existência una restringiu uma série de novos conhecimentos sobre a natureza e sobre o homem. A revolução industrial foi o ápice de uma visão mecanicista e a ciência não se permitiu por muito tempo deixar de ver, p.ex., a célula como sendo uma micro-fábrica, funcionando como um relógio. Nem o ser humano é tão universal assim, pelo contrário, a reprodutibilidade de muitas experiências com substâncias em humanos foi relativizada com a estatística (que salvou o modelo mecanicista de uma brutal derrocada). Se estivéssemos apenas no pensamento naturalista clássico não poderíamos acertar as órbitas de nossos satélites com exatidão e nem saber a posição correta das estrelas. O mundo da psique possivelmente não seria descortinado.

Ainda estamos submergidos culturalmente pela metodologia do pensamento grego. Mesmo querendo discutir sobre a entropia dos modelos fisiológicos, mesmo buscando abstrações, dificilmente conseguimos estudar um objeto sem optar por reduzi-lo a duas ou três variáveis. A ciência determinista é como uma escada. Cada degrau é acumulativo, assim pode-se seguramente subir por ela em direção a verdade que ela proporciona. Tal imagem é cômoda e nos dá a segurança de apontar uma tendência. Porém, sinceramente, eu gostaria que o conhecimento fosse entendido como esferas que se interpõe e o caminho tornaria-se livre, afinal a própria ciência estaria fadada a estagnar-se se não procurasse este caminho. Hoje timidamente tenta-se corrigir este erro com a multidisciplinaridade e com disciplinas como antropologia e filosofia constituintes de cursos na área de exatas e biológicas. É um começo.

Texto de 2006