Sobre o filme "A pele que habito", de Pedro Almodóvar

Não posso imaginar história mais intrigante. Embora previsível, o final atiçou minha necessidade em perscrutar o que temos de humano, sobretudo na formação do gênero. Ao deparar o corpo que habitamos diante do espelho, podemos experimentar um estranhamento bizarro, ao se perguntar "quem é você?". Mas e quando temos auto-imagem bem definida, fronteiras existenciais consolidadas e linhas de tendência futuras a partir de um passado coerente? E se forçados a mudar radicalmente o que somos, transpostos em um outro corpo?

A imagem que me vem à cabeça é a da pobre criatura, insanidade do Dr. Frankestein, feito a partir retalhos de cadáveres, cujo corpo adotou um cérebro que somente poderia ser acometido pela barbárie. A criatura que não pede para existir em algum momento se volta contra o criador.

E qual a motivação para a gerar uma nova criatura? Provavelmente completar o próprio buraco, motivado pela vaidade em deter um ser inferior, porém amenizando o martírio da falta de um certo algo que o completa. Mesmo um ser perfeito não pode ser completo exatamente por não deter a imperfeição. E poder é tudo que um criador quer.

Um filme agonizante. Exterioriza as renegadas vísceras que compõe nossas almas. Não explora qualquer densidade da psiquê, suficientemente vislumbrado na pele, traduzindo nossa contínua impregnação desta casca que aceitamos como identidade acima do âmago. Casca de inebriantes odores quando a queimamos, e qual desejo maior senão este fogo que arde sem se ver? E quão ilusão maior a prepotência da completude?



Diretor: Pedro Almodóvar
Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo, Blanca Suárez, Eduard Fernández, José Luis Gómez, Bárbara Lennie, Susi Sánchez
Produção: Agustín Almodóvar, Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar, baseado no livro de Thierry Jonquet
Fotografia: José Luis Alcaine
Trilha Sonora: Alberto Iglesias
Duração: 133 min.
Ano: 2011
País: Espanha
Gênero: Suspense
Cor: Colorido
Distribuidora: Paris Filmes
Estúdio: Buena Vista International / Canal + España / El Deseo S.A. / FilmNation Entertainment / Televisión Española (TVE) / World Cinema Fund
Classificação: 16 anos

Sobre o filme "Amadeus"

Nada estaria mais a altura do gênio que as próprias composições. Falam por si. Enredo, figurino, fotografia foram meras incrustações dos brilhantes fragmentos reproduzidos na bidimensional tela. Dos sentidos acreditara ser a visão o superior. Ledo equívoco, somente a audição pode trazer infinitas percepções bem além de qualquer eixo cartesiano.

Do sublime ao trágico, traz a tona uma história intensa de jovens que devem morrer jovens e de gênios que pagam o preço de viver a altura de sua envergadura. E a ironia de esgotar-se com o derradeiro requiem, talvez uma ode à própria morte. Digna dos cantos gregos, a traição não poderia ser mais apropriada. Em estonteante performance, F. Murray Abraham sorveu a vida do compositor na forma de música ao viver Antônio Salieri, fanático, confundiu a obra de Mozart com a figura de Deus mostrando-se como o veículo de Elias para a derradeira arte em leito de morte, dado que não se pode matar um eterno, apenas arrebatá-lo em meio a poeira branca.



Wolfgang Amadeus Mozart.


Título original: (Amadeus)
Lançamento: 1984 (EUA)
Direção: Milos Forman
Atores: F. Murray Abraham, Tom Hulce, Elizabeth Berridge, Simon Callow.
Duração: 158 min
Gênero: Drama

Sobre o livro "Ensaios céticos" de Bertrand Russell

Não se pode ser totalmente cético. Embora a recorrência contemporânea do tema não me surpreenda, reconheço que tais idéias ressoaram contundentes na época. Pontos de vista destituídos de dogmas parciais sobre a opinião incorrem no caminho inerente ao saber estruturado, fundamentado. Neste prisma, a propagação do marxismo enquanto fé, atrai com a manipulação de sentimentos, não com o apelo da razão, deturpando a mensagem original. O autor atribui à propaganda os danos que advém da manipulação por veículos que detém o poder. Bem antes da crítica à massificação feita pela banda Pink Floyd no aĺbum The Wall, acusa o ensino de manipular com suas falácias tendenciosas, o qual defende o governo e ataca qualquer antagonismo, conseqüentemente, manipulando a percepção histórica dos fatos.

Se tratarmos o ateísmo como dogmatismo negativo, podemos observar que sempre estaremos arraigados a alguma crença, mudando a percepção de acreditar em algo externo, alheio a nossa força, mas manipulável com orações corretas. A alternativa é centrar a crença no eu, na busca paranóica do sucesso, sempre com o pensamento da detenção do que se chama felicidade, mas na verdade não passa de uma fuga ou negação do medo.

Perdoem o "copy e cola" da Wikipédia, mas achei conveniente dogmatizá-los um pouco com o ceticismo de Bertrand Russell:
  1. Não tenhas certeza absoluta de nada.
  2. Não consideres que valha a pena proceder escondendo evidências, pois as evidências inevitavelmente virão à luz.
  3. Nunca tentes desencorajar o pensamento, pois com certeza tu terás sucesso.
  4. Quando encontrares oposição, mesmo que seja de teu cônjuge ou de tuas crianças, esforça-te para superá-la pelo argumento, e não pela autoridade, pois uma vitória dependente da autoridade é irreal e ilusória.
  5. Não tenhas respeito pela autoridade dos outros, pois há sempre autoridades contrárias a serem achadas.
  6. Não uses o poder para suprimir opiniões que consideres perniciosas, pois as opiniões irão suprimir-te.
  7. Não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas.
  8. Encontres mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda.
  9. Sê escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente, pois será mais inconveniente se tentares escondê-la.
  10. Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso.
 Atentem-se à bem humorada contradição do princípio "7". Rs :-)

Retalhos de mim

A tatuagem ama a pele
como a flor o cristal que a forma.
A montanha pede abrigo na íris que contempla,
bem como meu vulgo e nobre sentimento,
cobra o espaço epidérmico da colcha que te cobre.