Espelho

Em face do amor irrefletido,
Me vejo errante convexo
Distorcido amaro amaria Amarante
Desnudo sem prédica, juízo. Pre(-)juízo.

Caminho fim tornado meio
Tempo meio, desacreditado despercebido
Estagnado numa máquina de divididos dividendos
De vidros, fluídos petrificados, olhar pétreo em ponteiros, pontas, aparas.

Alteridade alterada pelos halteres desleixados
Sem peso, massa, gravidade, física, metafísica
Tapetes, moedas, pedras, estrelas, caminhos.
Braços, abraços, retas, arestas, rotas, restos.

Sem outro, sem vista, à vista, sem prazo,
Eu cash. Eu trabalho. Eu mercado, eu mercadoria.
Eu externo no esterno, cerne no centro, certo no senso,
Sentido, sentindo, parado... parando... parado... presente, eu.


Sobre o livro "A tríade do tempo" escrito por Pedro Bial ou similar

Preocupada comigo, alguém muito especial me implorou para ler este livro, visto que supostamente minha vida seria um fracasso rompante. Daí, por uma sagaz ironia de Chronos, interrompi a leitura de "Ser e Tempo" de Heiddeger e do apelidado de "O Capital" de Marx para a leitura deste livro de autoajuda empresarial cujo objetivo é tornar a vida mais produtiva pelo melhor manejo do tempo.

A referida "tríade" é descrita como uma priorização de atividades importantes, relevantes e circunstanciais. Recomenda que você deve intercambiar suas atividades e se organizar para que as importantes e relevantes perfaçam 70-80% do seu dia e as circunstanciais ou urgentes sejam mitigadas.
O sucesso virá uma vez que você consiga se organizar para isso adotando agendas com tarefas hierárquicas ao longo de intervalos de tempo factíveis (mês, semana e dia) alocando esta tarefa em quantidade de horas executáveis e dividindo-as caso sua execução seja inviável em menos de três horas. Você pode adquirir o produto pelo site http://www.neotriad.com/site/ e, inclusive, contratar consultoria.

Se você é um indivíduo de sucesso, provavelmente não se dará ao trabalho de ler este livro que, como todo bom livro de autoajuda, promete fórmulas mágicas para todos os seres humanos viventes e provavelmente os não viventes para que atinjam o sucesso. 

Se você for um fracassado como eu, agora você me deve R$20,00 e não perderá duas ou três horas de sua vida ouvindo (lendo) obviedades. Se você quiser ler, vá diretamente para o capítulo 11, o qual resume toda a ópera escrita no ritmo repetitivo do Silvio Santos.



Agora segue a crítica.

Por detrás de um livro mal escrito, com inúmeras citações desconexas que tentam reduzir autorias de personalidades a uma frase, o que de modo geral é uma ofensa, existe um ensinamento espiritual. Neste livro está bem claro que o homem deve buscar uma conexão com o além numerológico de Demócrito por meio da busca dos seus sonhos, sucesso e controle (do tempo, felicidade e sonhos).



Tudo que eu quiser, o cara lá de cima vai me dar
Me dar toda coragem que puder
E não me faltem forças pra lutar.
Autor irrelevante




A busca pelos sonhos é possivelmente uma das falácias mais perpetuadas em nosso tempo, a qual deveria ter sido superada na época do livro "O mundo como vontade e como representação" de Schopenhauer. A distorção identitária do sujeito com o sonho ocorre com a sua projeção em algo fora de si. Logo, quando o objeto do desejo, o sonho, é atingido, o individuo perde a relação de identidade consigo e recai em um "vazio existencial" (perdoem a entoação de autoajuda, estou contaminado). No pior cenário, quando o indivíduo não obtém o objeto do desejo, incorre numa frustração proporcional a expectativa. 

O segredo para esta enlatada felicidade está na aceitação do presente, em simplesmente ser. Deve-se exercitar a autoaceitação e entender que sua posição existencial se faz mediante relações de parte-todo, de pertencimentos mútuos conforme a percepção ou a atenção sobre si é projetada. Por exemplo, se nos observamos como nosso corpo, logo, neste momento, estamos limitados a esta relação com o corpo, e, neste momento, reduzidos a essa percepção identitária. Se nos percebemos como advogado nos colocamos em um corpo ou conjunto do universo do direito. Desta forma, exercendo uma forma de alteridade consigo as expansões identitárias perfazem a verdadeira busca de um indivíduo.

Se forem ler este livro, por favor desconsiderem a multiplicidade de papéis descrita no texto, como se o indivíduo tivesse que apresentar uma personalidade conforme o ambiente. O indivíduo é um só, apenas muda sua projeção identitária (ontológica). Um indivíduo com múltiplas personalidades notadamente evidentes, possivelmente detém alguma psicopatia.




Pau que nasce torto / Nunca se endireita / Menina que requebra / A mãe pega na cabeça
Aforisma do principal filósofo, pensador e compositor brasileiro entre os séculos XIX e XX, ou seja, da história do Brasil desde que deixou de ser Portugal.

O sucesso é outra falácia que deveria ser superada. Graças a perpetuação do conceito de sucesso vivemos em uma sociedade cada vez mais desigual, cuja cultura liberal é distorcida pela conquista da exploração de mais indivíduos dando-lhes uma carteira de trabalho ao invés da autonomia ou impondo-lhes o peso dos lucros desejosamente mais abusivos que prejudicam as relações harmônicas de troca (quebram a apregoada razão de mercado). 

O "sucesso" neste contexto empresarial, não é apenas êxito. Sucesso é prevalecer sobre os outros indivíduos, destaque. Quem ouve Los Hermanos e gosta já entendeu que a cultura do sucesso é uma grande balela. Este conceito de sucesso é inatingível a priori, pois em quantas projeções um indivíduo puder olhar, em tantas mais verá que não conseguirá prevalecer na grande maioria delas. Um "sucesso" ético é aquele em que não há competição, apenas auto-projeções identitárias que aprimorem a própria auto-percepção sem qualquer relação comparativa com outro indivíduo. Logo, se o indivíduo entender que não precisa de sonhos projetados fora de si, entenderá que não precisa de sucesso fora de si, logo, perdoem a extinção tautológica, estará vivendo o próprio sonho, já sendo um sucesso em cada tempo presente, exatamente por estar fazendo aquilo que deseja no momento que deseja.





 O que é imortal / Não morre no final
Paradoxo tautológico proferido na década de 1990 em protesto à degradação vanguardista da arte ocidental.

A última ilusão defendida no texto é a do controle. Assim como é uma contradição dizer que existe final se existe algo imortal, também o é dizer que algo relativo possa ser controlado. O tempo não é uma aferição de relógio. O tempo é uma dimensão tal qual o espaço e é tomado diferentemente conforme a relação perceptorial do indivíduo. Usando um pouco o linguajar ginasial do livro, o tempo não é o mesmo em atividades lúdicas e em atividades chatas. Ainda, se não é possível, nem desejável, controlar o tempo de si, quem dirá ser possível controlar o tempo do outro. O que ocorre é a construção identitária com a percepção do tempo. Quando o indivíduo atinge identidade com aquilo que está fazendo tende a tornar o "produto" de seu trabalho como parte de si. Os indivíduos se penalizam quando trabalham para outros e não conseguem se identificar no que estão fazendo, logo, este conceito capitalista em reduzir o homem a sua produção tende a tornar patologicamente desejável níveis de produtividade extrínsecos a sua identidade.





No manual pisei
Jaspion

Um livro como este não é capaz de ajudar um indivíduo a construir uma relação identitária melhor consigo. Na verdade o tornará obcecado por controle e fórmulas prontas como agendas e outros recursos tecnológicos. Se você não se identifica com sua atividade possivelmente mudar de emprego será a melhor escolha. Se você não considera possível, aprenda a se enxergar nele. Contrate profissionais como um psicólogo, filósofo clínico ou talvez a empresa deste autor. Uma forma interessante de conhecer o mundo para se autoconhecer é com a leitura de bons livros. Leia "Cem anos de solidão" (ótimo para entender o tempo) ou "Amor nos tempos do cólera" de Gabriel Garcia Marques, leia "Crime e Castigo" de Dostoiévski, leia "Trabalhadores do mar" de Victor Hugo, leia todos os livros e contos de Machado de Assis, leia Clarice Lispector, leia bons autores, que, de modo geral, não estão na lista de livros novos mais vendidos. Desta forma nunca mais desejará ler um livro de autoajuda num intento de achar uma solução mágica fora de si. Nunca conheci um indivíduo que se considere um sucesso genuíno lendo autoajuda voluntariamente.

Perdoem possíveis erros decorrentes da nova ortografia. Este texto não foi revisado.