Sobre o filme "Piratas do Caribe - Navegando em Águas Misteriosas", com Johnny Depp e Penélope Cruz


Quem diria que a tônica do filme se daria nas bases religiosas e consequentemente dos mitos? E tônica é particularmente uma palavra apropriada dado que não tem lá tanto gosto, mas agrada pura ou misturada com alguna cosita mas! No caso, essas bolhinhas no céu da boca foram proporcionadas pelos temperos inerentes às boa produção da franquia (fotografia, figurino, efeitos), bem como à fidelidade aos mais sórdidos códigos das histórias piratas e mercantes até a derrocada pós Adam Smith em sua tentativa de ordenar a bagunça da riqueza das nações.

Ver um Jack Sparrow galante foi uma certa surpresa. Muita areia para ele subjugar e ser julgado por tal graciosa pirata, ai ai... Até eu a deixaria levar tudo que tenho... Inerências do gênero. Todas as mulheres tem um quê de pirata sempre a roubar-nos que temos de mais precioso na alma. Talvez não seja roubo, pois embora retirado com ardilosidade, é sempre entregue tacitamente.

A mais bela imagem advinda do filme não foi de sereias, mas o embate do cristianismo praticado no original versus o praticado pelo catolicismo (eu estenderia ao protestantismo também). No primeiro, conforme genuinamente pregado pelo Precursor, observa-se pureza de ações, fé inabalável sem vaidades ou superstições e benevolência com cada ser dotado de alma. Já o cristianismo institucionalizado incorre nos absurdos que o poder dado aos homens pode causar. Assim, a fé cega, apenas praticada mas não incutida na alma como marca do caráter, é capaz de destruir, matar, segregar, mesmo os maiores patrimônios da humanidade. Lembro com tristeza diversos eventos em que tanto a extrema fé na existência de Deus ou na sua inexistência causou danos irreparáveis, a exemplo das chacinas dos nossos índios ou mesmo na destruição vergonhosa da revolução cultural chinesa.

Felizmente com a descoberta da solução para o encurtamento dos telômeros e o manejamento do jogo apoptótico estamos próximos de encontrar o elixir da juventude ou mesmo da eternidade. Daí, com a taxa vegetativa global zerada resolveremos os problemas de habitação e econômicos, dado que todo ser humano terá profissão e não poderá mais se aposentar. Não haverá analfabetos e elevaremos o nível cultural, visto que todos teremos séculos de vida e não nos satisfaremos com sons desagradáveis ou leituras superficiais. Nesse prisma acho que os espanhóis fizeram um bom serviço. Melhor renovar a humanidade dando chance às crianças tomarem o lugar dos sábios idosos após sepulcrarem seu conhecimento.

Mas o filme não passou de uma corrida maluca, em que vence o personagem que nem lembramos o nome por ficar em segundo plano. Restou a imagem dos seres míticos, piratas míticos, tesouros míticos e outras boas histórias para contar às nossas crianças. Pena que não existem produções milionárias para vender tão bem ao mundo nosso Saci Pererê, Curupira, Iara, Tupã, etc.  Continuamos pagando bem pela inventividade dos nossos exportadores culturais anglo-falantes.



Título original: (Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides)
Lançamento: 2011 (EUA)
Direção: Rob Marshall
Atores: Johnny Depp, Penélope Cruz, Geoffrey Rush, Ian McShane.
Duração: 137 min
Gênero: Aventura

Sobre o filme "Saturno em oposição", uma produção da França, Itália e Turquia

Próximo do findar, ainda acreditara estar o filme no começo. Não sei se estou cult demais ou de menos, mas não consegui captar a assinatura do filme, ou seja, a que veio a história, qual a justificativa ou finalidade da narrativa. As cenas se deram a esmo e não compreendi a argamassa, sequer nuances do que se pretendia dizer. P.ex., no filme Gladiador é apresentada a história de um general que vira escravo, gladiador e desafia um império. Existe uma sequência de eventos que caracterizam o filme, o que não ocorreu no presente.

Múltiplas histórias com dois pivôs. Um casal gay (ou frouxo, como captei do italiano falado) e um tradicional triângulo amoroso do marido com a bela florista. De esgueira existe uma usuária de drogas. Vejo que a pauta talvez tenha se feito em cima na nova sociedade italiana (e ocidental), múltipla, civilizada e tolerante. Por um acaso, ontem, houve a primeira união civil em massa de homossexuais no Brasil. No filme, o pai reconhece o companheiro do filho. Olha o guarda-roupa em que são compartilhadas as camisas e sapatos entre o casal, questiona sobre como foi constituído o patrimônio, constatando que formou-se uma família, reconhecendo ao cônjuge a soberania acima do seu poder decisor como pai. Tal naturalidade é bem contemporânea, chocaria mais na década de 90, não causando tanta comoção atualmente.

Já a infidelidade perpassa por uma civilidade extrema da esposa traída, a qual reconhece as inerentes fraquezas de nossa espécie mostrando que já estivera balançada por outrem durante o matrimônio, sem incorrer no impropério, é claro... "mas os homens são uns fracos mesmo, e então nós mulheres devemos relevar, né?". Se eu fosse mulher não sei se conseguiria ser machista ao ponto de pensar assim. Porém, com dois filhos talvez relevasse, mesmo morrendo por dentro. Ou talvez em nome da egoística fuga da solidão. Acho que seria inevitável evitar a corrosão, pois o afastamento de quem você ama e construiu uma vida ou o remoer da humilhante punhalada face ao retorno representaria a derrocada de qualquer possibilidade de felicidade até a terceira idade (no caso em duas décadas).

Por isso o perdão em caso de traição não constitui bom negócio àqueles que fazem como os elefantes, ou seja, não esquecem golpes desferidos. Também não funcionaria em quem possui superioridade moral para superar definitivamente a injúria, dado que a assimetria justamente dessa evolução moral, trará um descompasso para o relacionamento, desencadeando falência múltipla ao longo do tempo, pois a manutenção se dará em detrimento do moralmente superior, sempre a suportar os deslises do outro.

Daí, verificar-se o quão traiçoeiro pode ser o coração e quão tamanha virtude se faz necessária para manter-se uma relação por décadas. Qualquer sinal de instabilidade ou incerteza pode servir de linha de tendência para uma esquizofrênica perscrutação sufocante dos passos do outro. Cercear o espaço nunca é bom, pois na teoria de conjuntos sentimentais nunca o universo pode ser A união com B, ou seja, uma só carne e uma só alma. A intersecção não deve ultrapassar 50%. Acima disso descaracteriza-se o indivíduo, enfraquecendo-o. O cônjuge deve complementar, fortalecer. Mas o despeito com o individual e a despersonalização criam uma prisão conceitual, e no bom modelo freudiano da panela de pressão, diríamos que a traição representaria a válvula de escape, injustificável, mas como bons mamíferos temos que sobreviver a revelia da intricada moral superedípica.

Contra-recomendo o filme. Não passa de uma novela, superficial como todas, a qual se limita a expor fatos sem suscitar maiores embates. A finalidade é acostumar a sociedade com o que já acontece. Frequentemente jovens morrem, indivíduos sentem atração pelo mesmo sexo, pessoas usam drogas e maridos pulam a cerca. Ou seja, qualquer Manuel Carlos pode reportar fatos cotidianos como estes... Faltou o tempero rubro que apimentaria reflexões nessa massa italiana, ajudando nossas bainhas de mielina a pavimentarem saltos morais rumo à verdadeira virtude da tolerância e tomadas de decisões cordatas sem hipocrisia.

Título original: Saturno Contro
Drama / Comédia: França / Itália / Turquia, 2007, 1h50, 14 anos.
Direção: Ferzan Ozpetek
Elenco: Stefano Accorsi, Margherita Buy, Pierfrancesco Favino, Serra Yilmaz, Ambra Angiolini, Ennio Fantastichini, Luca Argentero

Sobre o filme "Meia Noite em Paris", de Woody Allen

De anacronismos metalinguísticos vai vivendo a obra de Woody Allen. Continua se (e nos) deliciando com histórias de escritores atordoados por seus livros em gestação e amores errantes como as ruas do velho continente.

Uma prosaica caminhada, dentre tantas outras que perfazem suas produções e desaguam no fantástico. Entusiástico encontro com ambientes e artistas que derretem nossa imaginação, fusão impossível, vivenciar mundos em viagens no tempo. Dissecar suas almas invejaria qualquer anatomista. Porém somente os da mesma espécime podem se entender. Assim cabe aos escritores explicarem os escritores, pintores pintores, atores atores e assim por diante.

Personagens caricatas surgem na Paris da década de 20, mais reais que nosso confortável californiano 2010, contemporaneidade sem vanguardas mas pra lá de retrô. Ao tentar viver no passado o idealizamos, tornando-o certamente o lugar preferível, prisão nesta terra de viventes, afinal, muitos confortam-se em estagnar o paraíso no intangível seja no outrora ou no devir.

Fascinante o vigorar do desimportante como importante. A compra de uma cadeira para a casa de praia ganha foco, enquanto a infidelidade recém confessada sequer franze o senho do traído, cobrado pela notória ausência e impelido a manter o plano saindo do mundinho surrealista para a derrocada na vida pragmática. Afinal, o que é mais real, a poesia ou as contas a pagar? Tudo fica no papel afinal de contas, né? Envólucros materiais...

E o fascínio das belas fêmeas? A sim, as mulheres de Allen. Sempre sedutoras, autônomas, regozijantes, brilhantes, de profissões bucólicas ou até mesmo medíocres e repletas de cultura, de opiniões simples e superiores. Eu as admiro, as desejo, compartilho esta prisão em viver neste mundo destituído destes seres míticos, desejando algo que existe somente nas mentes artísticas, destruidoras de almas. E um tapa na cara... os homens das palavras sempre tem solução para tudo... racionalizam... explicam. Não! Volte ao seu presente, realidadezinha sem estima. Eu, alma consolidada, puro ato, farei o que devo fazer, me tornar puro ato e ficar onde quero, fazendo o que quero. Porque o amo, mas amo mais ser puro ato. Fique com seus pensamentos de escritor. Escreva sua história e inexista como personagem nas páginas do próprio livro. O amo, mas que importa? O que importa o amor?

E para amar é preciso não ter medo da Morte. Brindar com a Bela companheira na campanha de uma sórdida guerra qualquer. Os covardes não amam. Amar requer coragem. Disparar contra uma fera avançando mortalmente em seu pescoço. Pintar rinocerontes. Ser a pantera de Augusto do Anjos, "...se ajoelhando, rendida ao eflúvio do teu seio casto". Concentrar o universo no contato de epidermes, no cruzamento de rimas e esquecer da vida para perder o medo da morte. Este amor em palavras justifica tudo. Desisto, melhor ser puro ato.

Título original: (Midnight in Paris)
Lançamento: 2011 (EUA, Espanha)
Direção: Woody Allen
Atores: Owen Wilson, Rachel McAdams, Kurt Fuller, Mimi Kennedy.
Duração: 100 min
Gênero: Comédia Romântica
Status: Em cartaz

Sobre o filme "A noiva cadáver", de Tim Burton


E quando o outro lado é apenas uma parte de si?

A realização, o cumprimento de uma etapa. Expor nossas entranhas da forma mais verdadeira possível. O que somos afinal senão um cabide de ossos? Perscrutamos as esferas do eu sem saber que pura e simplesmente nossa consciência não passa de uma minhoca na cabeça. Talvez seja vaidade. Afinal, não podemos ser apenas desta vil matéria. Temos que nos equiparar aos deuses, nos tornar espectros, vagar mundos fluidamente como o ar. Temos que ser eternos.

Somos eternos, mas no carbono. E nesta vida carbonada em duas vias não posso dizer qual é a cópia ou a original. Se a morte representa descarregar pesos das escápulas, prefiro a versão soul de Tim. Nos embebedar com veneno e sacudir o esqueleto com corpos semi-serrados.

E o enlace? O que representa um casamento senão anseio à geração de vida? E qual paradoxo maior senão casar com a morte? (fato bem frequente, inclusive)
E não há outra forma de fazer manutenção dos mortos sem que os vivos não se reproduzam, afinal, cadáveres não podem fazê-lo. Então, manter a população per capta dos cemitérios é nosso nobre dever, mesmo com o severo risco de assinar compromissos tácitos que comprometam toda uma vida.

Intrigante mesmo no filme foi encontrar compaixão em apenas alguém muito tempo depois de morto. Os vivos cuidando apenas de si e nossa pobre noiva cadáver, assassinada por ambição, abriu mão de seus sonhos após putrefar nobremente. A única alma generosa se fez apenas como defunto.

E para trazer sentido ao filme, minhas minhocas ecoam a música otherside de Red Hot Chili Peppers. Não há nada melhor que deslisar para o outro lado. Selar nosso pacto com a Morte generosa e benfazeja, sempre disponível quando precisamos.

Que horror... kkkk

Sobre o filme "X-men the first class"


Um filme advindo das famosas comics do X-men enfatiza a mais bela das frases, a qual representa o ápice do senso de justiça e a definitiva derrocada das perversas leis da natureza: - Posso não concordar com nenhuma palavra do que disseres, mas lutarei até a morte pelo seu direito de dizê-las.

Antes da revolução francesa ainda vivíamos, a bem dizer, num amálgama entre o  "crescei e dominai" e "olho por olho, dente por dente", e sempre sobrou uma unanimidade de cegos ou dominados.

Porém, evidentemente, nossa condensação de energia nesta forma de matéria ainda nos submete às leis da física e da natureza. Um sonho dos autores foi ilustrado exatamente por romper, ou superar tais leis ao criar seres míticos com poderes modernos e mutações que até Deus duvidaria, afinal, soltar laser pelo corpo vai além de qualquer imaginação das infinitas tentativas randômicas que a natureza faz em rearranjar moléculas e selecioná-las com a graça da competição e transmissão dos genes.

A polaridade entre o professor Xavier e nosso poderoso amigo do metal é possivelmente uma das mais belas relações criadas pela ficção. Profundos amigos, absolutamente inteligentes e sagazes, partidários de causas diametralmente opostas. E ao longo do tempo se defrontam respeitosamente num combate que envolve um aliado e, ao mesmo tempo, inimigo em comum: nós.

Neste conflito eu não consigo me posicionar. Os argumentos de ambos são bons. Em nossa mórbida história tivemos que travar guerras com os que acreditáramos serem brutos e inferiores. Assim, o Homo habilis deve ter extinto o Homo herectus, os H. sapientes os Neandertais até a próxima evolução nos destruir*. Não houve conciliação de hominídeos de espécies distintas. E se existe uma espécie com mais habilidades de sobrevivência é natural que extinga as inferiores. No entanto, a fração de sapiência que nos constitui, nos ensinou o respeito às espécimes e provou que o melhor para todos é manter os biomas trazendo equilíbrio aos ecossistemas. Assim como a retirada de Israelenses da faixa de Gaza traria paz ao local, os mutantes poderiam ter direito a tomar um pais para si, ou mesmo conviver pacificamente no mesmo ambiente que os humanos. A segregação é apenas quebrada com pelo menos três gerações. Assim, quem cresceu sob cometários racistas não mais os fará para seus filhos, os quais terão netos que sequer farão ideia deste preconceito.

Mas essa convivência pacífica é ameaçada pelo grande poder que deveria ser contido para não haver incômodas desproporções. E, assim, pediria-se aos mutantes para negar o que são, e de fato a maioria não conseguiria. O poder em si é sedutor e deveria ser estimulado, caso contrário, o ser entra em depressão. Eis o paradoxo. Apenas uma das espécies pode ser feliz.

E, dividindo essas bandeiras, não posso deixar de narrar a beleza da amizade entre águia e o boi. Vou alterar um pouco o exposto no livro "o corpo fala", de Pierre Weil, para traçar minha metáfora. A águia representa o espírito vencedor, altaneiro. Sua visão superior prega instintivamente a sobrevivência pela caça. Escolhe placidamente sua presa, e tenta fazer com que ela sequer conheça sua existência, pois não se importa com isso, subjuga-la não é importante. Apenas basta que ela esteja fatalmente em seu bico. Já o boi tem sua superioridade no espírito contemplativo, passivo, o qual entende a ordem natural das coisas e respeita o espaço metafísico de cada existência. Luta, mas não para destruir, apenas para manter a si e aos seus. Devolve o que retira da natureza e atravessa mundos, vivendo e vendo muito mais coisas do que a águia, a qual passa rápido demais pela vida. A águia é um cometa, o boi o sol. Assim, Magneto e o professor-X, respectivamente, representam os mais nobres dos tipos humanos, as mais poderosas forças. Juntos poderiam puxar qualquer ponta deste cabo-de-guerra e vencer, mas inerentemente, como ocorre no homem, uma das características, seja de boi, seja de águia, deve vigorar.

A produção do filme é impecável, fiel. Explica muito e para quem gosta, como eu, desses super poderes forçados, deve ser obrigatoriamente visto. E quem não gosta deve assistir pois histórias que envolvem contextos da guerra fria ou das guerras mundiais, também são obrigatórias. A única pergunta que ainda ficou seria a origem do capacete que barra pensamentos. Como foi feito, afinal?

Talvez esteja me posicionando agora, pois jamais devemos esquecer que nos últimos milênios em que uma determinada fatia dos homens se julgou a raça ariana, as coisas desandaram. O palavra do século é tolerância. E eu creio que toda espécie tem direito ao seu lugar, e vou alem. Não existe evolução absoluta, dado que não há superioridade em todas as características, apenas nas poucas escolhidas para segregar as espécies.


*se algum pesquisador da área vir que eu estou falando besteira por favor me corrija.