Sobre o filme "Saturno em oposição", uma produção da França, Itália e Turquia

Próximo do findar, ainda acreditara estar o filme no começo. Não sei se estou cult demais ou de menos, mas não consegui captar a assinatura do filme, ou seja, a que veio a história, qual a justificativa ou finalidade da narrativa. As cenas se deram a esmo e não compreendi a argamassa, sequer nuances do que se pretendia dizer. P.ex., no filme Gladiador é apresentada a história de um general que vira escravo, gladiador e desafia um império. Existe uma sequência de eventos que caracterizam o filme, o que não ocorreu no presente.

Múltiplas histórias com dois pivôs. Um casal gay (ou frouxo, como captei do italiano falado) e um tradicional triângulo amoroso do marido com a bela florista. De esgueira existe uma usuária de drogas. Vejo que a pauta talvez tenha se feito em cima na nova sociedade italiana (e ocidental), múltipla, civilizada e tolerante. Por um acaso, ontem, houve a primeira união civil em massa de homossexuais no Brasil. No filme, o pai reconhece o companheiro do filho. Olha o guarda-roupa em que são compartilhadas as camisas e sapatos entre o casal, questiona sobre como foi constituído o patrimônio, constatando que formou-se uma família, reconhecendo ao cônjuge a soberania acima do seu poder decisor como pai. Tal naturalidade é bem contemporânea, chocaria mais na década de 90, não causando tanta comoção atualmente.

Já a infidelidade perpassa por uma civilidade extrema da esposa traída, a qual reconhece as inerentes fraquezas de nossa espécie mostrando que já estivera balançada por outrem durante o matrimônio, sem incorrer no impropério, é claro... "mas os homens são uns fracos mesmo, e então nós mulheres devemos relevar, né?". Se eu fosse mulher não sei se conseguiria ser machista ao ponto de pensar assim. Porém, com dois filhos talvez relevasse, mesmo morrendo por dentro. Ou talvez em nome da egoística fuga da solidão. Acho que seria inevitável evitar a corrosão, pois o afastamento de quem você ama e construiu uma vida ou o remoer da humilhante punhalada face ao retorno representaria a derrocada de qualquer possibilidade de felicidade até a terceira idade (no caso em duas décadas).

Por isso o perdão em caso de traição não constitui bom negócio àqueles que fazem como os elefantes, ou seja, não esquecem golpes desferidos. Também não funcionaria em quem possui superioridade moral para superar definitivamente a injúria, dado que a assimetria justamente dessa evolução moral, trará um descompasso para o relacionamento, desencadeando falência múltipla ao longo do tempo, pois a manutenção se dará em detrimento do moralmente superior, sempre a suportar os deslises do outro.

Daí, verificar-se o quão traiçoeiro pode ser o coração e quão tamanha virtude se faz necessária para manter-se uma relação por décadas. Qualquer sinal de instabilidade ou incerteza pode servir de linha de tendência para uma esquizofrênica perscrutação sufocante dos passos do outro. Cercear o espaço nunca é bom, pois na teoria de conjuntos sentimentais nunca o universo pode ser A união com B, ou seja, uma só carne e uma só alma. A intersecção não deve ultrapassar 50%. Acima disso descaracteriza-se o indivíduo, enfraquecendo-o. O cônjuge deve complementar, fortalecer. Mas o despeito com o individual e a despersonalização criam uma prisão conceitual, e no bom modelo freudiano da panela de pressão, diríamos que a traição representaria a válvula de escape, injustificável, mas como bons mamíferos temos que sobreviver a revelia da intricada moral superedípica.

Contra-recomendo o filme. Não passa de uma novela, superficial como todas, a qual se limita a expor fatos sem suscitar maiores embates. A finalidade é acostumar a sociedade com o que já acontece. Frequentemente jovens morrem, indivíduos sentem atração pelo mesmo sexo, pessoas usam drogas e maridos pulam a cerca. Ou seja, qualquer Manuel Carlos pode reportar fatos cotidianos como estes... Faltou o tempero rubro que apimentaria reflexões nessa massa italiana, ajudando nossas bainhas de mielina a pavimentarem saltos morais rumo à verdadeira virtude da tolerância e tomadas de decisões cordatas sem hipocrisia.

Título original: Saturno Contro
Drama / Comédia: França / Itália / Turquia, 2007, 1h50, 14 anos.
Direção: Ferzan Ozpetek
Elenco: Stefano Accorsi, Margherita Buy, Pierfrancesco Favino, Serra Yilmaz, Ambra Angiolini, Ennio Fantastichini, Luca Argentero

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