Sobre o filme "Arca russa" de Aleksandr Sokúrov

A multivisão em um único olhar.

Atravessar eras de Czares sem volver as pálpebras num mergulho em todas as artes. Não é compreensível como paredes podem comportar toda uma humanidade. O que mais pode nos traduzir que não a falta de objetividade de frívolos movimentos? Quantos quadros mais precisaremos juntar para compor a textura do que nos define? Talvez o que há de mais belo não passe do plano da introspectiva. Caminhe só ou conversando com um amigo imaginário, deixe as tarjas e definições no limbo.



Veja o filme completo:



Título: Arca Russa (Russkij Kovcheg, Rússia/Alemanha, 2002)
Direção: Alekxandr Sokurov
Elenco: Sergey Dreiden, Maria Kuznetsova, Mikhail Piotrovsky, David Giorgobiani
Duração: 97 minutos

Sobre o filme "Névoas do Terror" da saga de Sherlock Holmes

O herói a perseguir ativamente seu criminoso, envolvido em lutas implacáveis em cenários tipicamente londrinos. Eis nosso detetive hollywoodiano, mesma pintura na década de sessenta ou no século XXI. Meu herói das páginas de Sir Arthur Conan Doyle era melhor do que qualquer caricata da Marvel. Era puro cérebro de melodiosa química! Nada de acrobacias e pirotecnia.

Desta história, resta o feitiço de revelar o assassino mais famoso e mítico que se pode criar. Coringa? Nada... Jack Estripador um médico a cirurgicamente enfiar o bisturi na rede de prostitutas, inculcando um verdeiro varal de epidermes estiradas.

Mais um filme para assistir em família.

Porém, se não tiveres paciência para explicar aos infantes, de-lhes os livros do Sir, Agatha Christie e de Allan Poe, ideais para a formação do temperamento e gosto literário. Com a idade desembocam em Vitor HugoDostoiévski e Kafka, adotando novos desafios rumo compreensão de nossa natureza.




Veja o filme completo:


Diretor: James Hill
Elenco: John Neville, Donald Houston, John Fraser, Anthony Quayle, Adrienne Corri, Barbara Windsor, Frank Finlay, Judi Dench, Charles Régnier, Cecil Parker, Georgia Brown, Barry Jones, Robert Morley, Christiane Maybach, Barbara Leake, Peter Carsten
Título Nacional: Névoas do Terror
Título Original: A Study in Terror
Personagens: Sherlock Holmes, Dr. John Watson
Roteiro: Donald Ford, Derek Ford, baseado nos personagens de Arthur Conan Doyle
Estúdio: Compton Films, Sir Nigel Films
Produção: Henry E. Lester, Michael Klinger
Fotografia: Desmond Dickinson
Trilha: John Scott
Duração: 95 minutos
Ano: 1965
País: Inglaterra
Gênero: Mistério / Crime / Drama / Horror / Suspense

Sobre o filme "persona" de Ingmar Bergman

O protagonismo que se desfaz no silêncio.

Eis o momento em que no ato da personificação nos tornamos uma caricatura a confundir tropegamente o autoconceito do eu em outrem. É assim que a falante enfermeira enxerga a si num monólogo com a morna estátua, que bem poderia ser com a beira reflexiva de uma lagoa. E, vaidosa, choca-se após interpelar o silencioso marfim que a vê como mero objeto de estudo, ou ainda, auto-estudo. A companhia de duas almas egocêntricamente cuidando apenas do choque ao observarem a si numa moldura.

Não posso deixar de ater-me ao monstro que sussurra diariamente nos ouvidos, que no curva nesta luta para, eretos, prosseguirmos com o dever de não frustrar expectativas sociais. Não há refúgio marítimo ou campestre que nos afaste da mácula. Buscar redenção quando não há mais alma? Nada ao rosto nos devolve o que foi tragado. Aos inocentes somente basta o silêncio.




Veja filme completo:


Direção: Ingmar Bergman
Ano:1966
País: Suécia
Gênero: Drama

Relacionamento sem confiança

Existe relacionamento baseado em níveis ou graus de confiança? Ou seja, com confiança parcial?

Exemplificando, em um relacionamento marital pode-se confiar em uma esfera, como um projeto comum da compra de um imóvel mas não em outra, como por exemplo na fidelidade. Daí muitos casais vivem na base do "se os olhos não veem o coração não sente", logo se eu não souber da infidelidade, tudo bem. Obviamente, neste contexto, não existe confiança plena no parceiro, mas apenas o princípio da razoabilidade: "ele é inocente até que se prove o contrário". Forma de pensar saudável, por sinal, ou melhor que sua antagônica.

Diante das elevadas estatísticas de infidelidade não seria ingênuo demais acreditar plenamente no parceiro? Se em 80% dos casamentos monogâmicos, pelo menos uma vez, ocorre adultério, não seria uma ilusão (ou prepotência) nos sentirmos premiados com a monogamia imaculada? E estou falando apenas da fidelidade conjugal. Quando remetemos aos demais compromissos como o do respeito e dos demais provimentos, muitos casais comentem faltas cotidianas que poderiam ser tratadas como traição de um compromisso prévio, e, muitas vezes, com votos pronunciados em alto e bom tom em rituais sagrados.

Porém, diante dos comentários sórdidos acima, num princípio que recai no formato mais auto-ajuda possível eu vos digo. Não existe relacionamento sem confiança plena. E mais, não existe confiança parcial. Ou você confia, ou não. Vou tentar discorrer sem apelar a fórmulas prontas, e vou tentar evoluir esse pensamento ao longo do tempo para dar arcabouço filosófico e lógico ao que estou dizendo.

Papéis no relacionamento, na acepção adotada no presente escrito, recai no conceito de máscara freudiana, ou de maneira leigamente simplificada, no papel social desempenhado no objeto de confiança. Assim, se eu confio a meu funcionário uma determinada tarefa, possuo a expectativa de que ele a cumpra. Logicamente se eu lhe atribuir algo que não seja de sua capacidade, a falha, por consequência, foi minha. Ou ainda, posso sabiamente atribuir tarefa sem requerer sucesso, dando a possível inevitabilidade do erro. Daí, minhas expectativas serão atingidas plenamente por serem reais.

Julgando confiança e relacionamento, posso dizer que no relacionamento patrão-empregado deve existir algo de confiança. Se um funcionário suspeitar que não haverá pagamento, posso dizer que existe relacionamento? Não. Estou dicotomizando esta palavra, defendo que não existe "relacionamento fragilizado". Mas se este funcionário resolve trabalhar mesmo assim? E, ao mesmo tempo, o empregador não suspeitar da desconfiança quanto ao pagamento? Digamos que o serviço foi executado conforme o combinado, bem como o pagamento. Não podemos afirmar que houve um relacionamento feliz? Bem sucedido? Na concepção restrita a relacionamento do trabalho sim, sendo pragmático e utilitarista. No entanto, isolar o objetivo deste funcionário como simplesmente retirar seu provento monetário é dizer que o mundo é simplificado a um conjunto de mecanismos fatalmente plausíveis de serem reduzidos a um modelo meramente lógico. Nesta concepção o mundo é reduzido a uma máquina dotada de engrenagens. Porém, é sabido que a relação de trabalho não se reduz à CLT. Um indivíduo faz parte de um todo social e está inserido na sociedade. Com o trabalho ele não espera apenas o provento. Quer segurança, reconhecimento, inserção social. Ganhar dinheiro significa assegurar seu espaço existencial no mundo. Não houve relacionamento pois o funcionário não se sentiu em um contexto social onde pudesse expressar sua insegurança, seu pagamento não foi pleno pois apenas supriu o âmbito monetário. Homens não gostam de ser objetos e nem podem ser tratados como tal. Esse é o maior erro da sociedade capitalista ou baseada no trabalho.

Estendendo a abordagem acima para uma relação conjugal, cujos papéis sociais são mais profundos e sutis, afirmo sem dúvida que muitos acreditam estar em um relacionamento, quando, na verdade, estão apenas convivendo, partilhando espaços. Isso é bastante esperado nos relacionamentos contemporâneos. Frequentemente as pessoas iniciam um namoro discutindo os termos do divórcio e, quando muito, sequer pensam em futuro conjugal. Não se lida mais com o cenário "sejam felizes para sempre", mas com o "seja eterno enquanto dure". Mais uma vez, afirmo que, mesmo com as estatísticas contra o meu argumento, essa visão de mundo não passa de uma falácia, novamente, utilitarista e pragmática. Relacionamento não é isso. E o insucesso dos relacionamentos se devem a sabotagem no próprio projeto.

Quando se trata de ações humanas, toda realização, materialização, nasce de uma abstração, de uma ideia. Os prédios nascem de plantas, bem como um grande software é modelado em linguagens estruturadas antes de serem codificados. Num relacionamento existem duas projeções individuais que vão se amalgamando até virarem um projeto comum. Se um casal inicia com objetivos diferentes não estão se relacionando, estão apenas convivendo, exatamente por "objetivo comum" ser umas das implicações do papel social requerido para relacionamento ordinário. Se necessariamente um tiver que acatar o objetivo do outro por imposição, faltou a relação de "dignidade individual através do respeito e reconhecimento pelo outro". Novamente há apenas o convívio, não relacionamento.

Logo, um bom relacionamento nasce de boas projeções. Boas projeções incluem idealizações, fantasias, devaneios e demais sinônimos tomados pejorativamente, desde que sejam ou se tornem harmonicamente comuns. Com o tempo, as projeções se materializando ou não, traduzem o tempo passado em prol desses intentos como convívio ou como relacionamento. Na definição do relacionamento não se pode macular ou parcializar a confiança*, dado que não é idealismo vazio esboçar um projeto exigindo o melhor ou o suficiente para sua boa execução e existência. Confiar não é idealismo, é pré-requisito para relacionamento. Se você não confia, adote um parceiro para conviver, dividir projetos parciais, e não espere nem prometa mais que isso.

Podemos esperar plenitude da vida? Sim, desde que nosso limiar de preenchimento seja tangível. Eis o segredo para a completude. Se você não for capaz de confiar plenamente, seja por ter se ferido em convívios anteriores, seja por ter assimilado que fidelidade é algo constitutivo ou culturalmente aprendido, o mais saudável é reduzir seu limiar de expectativas e rever seus pré-requisitos para uma parceria. Se não puder deitar a cabeça no peito de seu parceiro sentir-se plenamente leve, prepare-se para o pior e viva em função disso. Sua qualidade de vida se reduzirá pelo que não poderá desfrutar, mas provavelmente você sempre estará prevenido e não sofrerá com golpes desferidos por quem devia amar você. Aliás, não espere ser amado. Espere apenas uma relação CLT. 

Logo, não existe a execução plena dos papéis sociais de um "relacionamento conjugal", sem confiança, dado que não se pode satisfazer a dignidade humana nem propiciar a ambos os indivíduos que nutram tais expectativas ao projetar e construir no outro esta dignidade.

Repito, esse pensamento não está acabado, embora creio ter firmando meu ponto. Pretendo reforçar melhor esses argumentos de uma forma mais lógica e menos auto-ajuda em textos futuros.


*Quando me refiro a confiança afirmo ser plena, pois não acredito em confiança parcial. Assim, confiança plena é epenas uma tautologia vazia.

Sobre o filme "O gato de botas"

O peso de uma amizade é mais leve que uma casca de ovo. É a maior das balelas a frase "para construir uma relação mil demonstrações são necessárias, mas para destruir basta uma". Se existe algo inerente ao homem é o erro. Na verdade, afirmo que errar é natural. Por tentativa e erro nascem as espécies, nascem as montanhas. A cada dia, o sol erra no horizonte permitindo a frágil lua despontar o que lhe rouba. Mesmo assim, o satélite errante segue sua própria trajetória, muitas vezes não se importando com seu fiel amigo que lhe fornece o brilho. Os grandes não se importam. São nobres e benfazejam a face destes que vivem a sua mercê e acreditam serem eles próprios deuses na condição de impor vida e morte.

Amigos são eternos, prevalessem à magoa, aos enganos. A amizade sobrevive à ira, à vingança. Bons amigos sempre tem o perdão na algibeira. Não cessam de sofrer pela ausência doída do amigo. O maior significado da dor se perpassa no amigo que observa o outro se afundar nas mentiras que acredita. Como sanar a fé torta? A convicção em planos mirabolantes que manipulam devaneios de ouro e matéria? Nem tocar os céus é suficiente para alimentar um ego ferido. E na falácia a buscar resposta nas pontas da rosa-dos-ventos se esquece que a verdade é mais simples do que o pretendido. Não está em palavras, nem em sopros... a verdade se encontra nos olhos, na leitura íntima que dois amigos fazem um do outro.

É difícil ser amigo em oposição de idéias. Por isso se investe no amor. Rosa arrogante, rubra, necessitada  do tato, da avidez de abraçar espinhos tão prazerosos. E assim buscamos nossas gatinhas, habilidosas, surpreendentes. Salvamos o que temos de passado, nossa vila, nossa mãe, nossos intentos. Sempre remontando a nós, neste jogo egocêntrico que mantém o parco conceito da identidade. E ficamos sozinhos nos bares, remoendo lembranças tenras e carcomendo nosso fígado com uma boa dose de leite sem deleite.

Mas no amigo sapiente não há demanda por mudá-lo, somente resta aceitação. Cravar a rosa no peito da fera é a deliciosa ambição de nos fazer vivos. E por um amigo vale morrer em redenção.

Seja amigo da rosa, eis a solução para amar e jazer feliz. Ame a rosa e aceite seus amigos. Confie, entenda a traição, deixe-o se redimir e aspire seu último suspiro como bravo amigo. Ele vai se acertar no final, pois amigos são eternos.

Reforço, a amizade está no último olhar.








Titulo Original: Puss in Boots

Gênero: Aventura, Animação e Comédia
Duração: 90 min.
Origem: Estados Unidos
Estreia: 09 de Dezembro de 2011
Direção: Chris Miller
Roteiro: Brian Lynch e David H. Steinberg
Distribuidora: Paramount Pictures
Censura: Livre
Ano: 2011