Sobre o filme "Meia Noite em Paris", de Woody Allen

De anacronismos metalinguísticos vai vivendo a obra de Woody Allen. Continua se (e nos) deliciando com histórias de escritores atordoados por seus livros em gestação e amores errantes como as ruas do velho continente.

Uma prosaica caminhada, dentre tantas outras que perfazem suas produções e desaguam no fantástico. Entusiástico encontro com ambientes e artistas que derretem nossa imaginação, fusão impossível, vivenciar mundos em viagens no tempo. Dissecar suas almas invejaria qualquer anatomista. Porém somente os da mesma espécime podem se entender. Assim cabe aos escritores explicarem os escritores, pintores pintores, atores atores e assim por diante.

Personagens caricatas surgem na Paris da década de 20, mais reais que nosso confortável californiano 2010, contemporaneidade sem vanguardas mas pra lá de retrô. Ao tentar viver no passado o idealizamos, tornando-o certamente o lugar preferível, prisão nesta terra de viventes, afinal, muitos confortam-se em estagnar o paraíso no intangível seja no outrora ou no devir.

Fascinante o vigorar do desimportante como importante. A compra de uma cadeira para a casa de praia ganha foco, enquanto a infidelidade recém confessada sequer franze o senho do traído, cobrado pela notória ausência e impelido a manter o plano saindo do mundinho surrealista para a derrocada na vida pragmática. Afinal, o que é mais real, a poesia ou as contas a pagar? Tudo fica no papel afinal de contas, né? Envólucros materiais...

E o fascínio das belas fêmeas? A sim, as mulheres de Allen. Sempre sedutoras, autônomas, regozijantes, brilhantes, de profissões bucólicas ou até mesmo medíocres e repletas de cultura, de opiniões simples e superiores. Eu as admiro, as desejo, compartilho esta prisão em viver neste mundo destituído destes seres míticos, desejando algo que existe somente nas mentes artísticas, destruidoras de almas. E um tapa na cara... os homens das palavras sempre tem solução para tudo... racionalizam... explicam. Não! Volte ao seu presente, realidadezinha sem estima. Eu, alma consolidada, puro ato, farei o que devo fazer, me tornar puro ato e ficar onde quero, fazendo o que quero. Porque o amo, mas amo mais ser puro ato. Fique com seus pensamentos de escritor. Escreva sua história e inexista como personagem nas páginas do próprio livro. O amo, mas que importa? O que importa o amor?

E para amar é preciso não ter medo da Morte. Brindar com a Bela companheira na campanha de uma sórdida guerra qualquer. Os covardes não amam. Amar requer coragem. Disparar contra uma fera avançando mortalmente em seu pescoço. Pintar rinocerontes. Ser a pantera de Augusto do Anjos, "...se ajoelhando, rendida ao eflúvio do teu seio casto". Concentrar o universo no contato de epidermes, no cruzamento de rimas e esquecer da vida para perder o medo da morte. Este amor em palavras justifica tudo. Desisto, melhor ser puro ato.

Título original: (Midnight in Paris)
Lançamento: 2011 (EUA, Espanha)
Direção: Woody Allen
Atores: Owen Wilson, Rachel McAdams, Kurt Fuller, Mimi Kennedy.
Duração: 100 min
Gênero: Comédia Romântica
Status: Em cartaz

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