Sobre o filme "Mary and Max", escrito e dirigido por Adam Elliot

Da distância emblemática de eixos, unindo zênite e nadir.  Uma amizade narrada em stop motion, concretizando nossa ilusória noção do devir em degraus que impõe o formato de escada ao tempo.

Gestos randômicos cruzam calçadas existenciais ainda que postumamente. Da vida colhida da sempre presente morte um fato extraordinário: somos imperfeitos.

A figura da normalidade rotula em diagnósticos personalidades marcadas por substâncias desfigurantes como diazepam, leite condensado, formaldeído, chocolate ou etanol. Nas soluções para os conflitos inventados do que se vê além do espelho, marcas. Marcas que dizem o que somos tanto quanto máscaras. E vesti-las pode ser doloroso, mas retirá-las pode ser pior.


Marcadamente em tons cinéreos, numa monocromia que perfaz a vida, esta obra ilustra os descaminhos da perseguição deste único objetivo que é vingar uma amizade. Outras pequenas e simples conquistas como completar a coleção de bonecos dos seus personagens favoritos, ganhar na loteria ou se formar em uma universidade e escrever um aclamado livro tornam-se apenas ornamentos de um caminho repleto de pontas de cigarro, rachaduras e cascas de bananas.

Os homens que ao pensar acreditam existir frequentemente esquecem quão universal e singular pode ser uma amizade. Valores estéticos nada se comparam com o preenchimento de uma alma. Muitos se acham amigos de seu cônjuge, outros Deus. Há ainda aqueles a debruçar em seus gatos. É inefável o fato que somos seres isolados, independentes. E não existe o não-eu fora do eu, pois o eu deve negar a negação do eu. Eis a ilusão da amizade. Acreditar que o outro pode enxergar você, quando na verdade enxerga a si próprio em você.

Ainda assim é reconfortante ter olhos apontados para você. Achar conexões consigo mesmo em outro manequim. Abraçar seu abraço nos braços de outro. Pois ao afagar um cabelo a mão também é acariciada. Suas lágrimas podem trazer a felicidade de preencher o rosto do outro incapaz de vertê-las.

Um filme direto, psiquiátrico, de belíssima imagem e sonoplastia. Uma obra prima para pendurar em uma galeria e admirar durante gerações.

Um comentário:

  1. "Voce passou , realmente, bela imagem do filme "...afagar um cabelo é acariciar a própria mão".....>Amizade quando encontramos os nossos valores no outro - identificação com tudo que apreciamos em nós (caráter, vergonha de ter vergonha por aquilo que não poderia nos causar vergonha..."

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