completude na incompletude

Na busca pela completude alguns indivíduos consideram que tal fato apenas ocorrerá ao encontrar um outro alguém. Para atingir a completude, esse alguém deveria suprir as deficiências do outro. Assim,
deveria-se buscar relacionamentos com indivíduos dotados de qualidades plenamente antagônicas.
No entanto, o complemento pode ocorrer pela somação de características em comum. Nesse ponto de vista os indivíduos se completarão relacionando-se com alguém mais semelhante possível.
Porém, mesmo ao encontrar o indivíduo almejado, a completeza plena é possível? Para responder essa pergunta é necessário conceituar completeza.

Segundo a mitologia grega, os homens tinham quatro braços e pernas e duas cabeças. Porém, temendo esse grande poder os deuses decidiram dividir os homens que desde então procuram a metade perdida.

Provavelmente esta busca seja fruto evolutivo ou social. Não se gera indivíduos assexuadamente, sendo forte o referencial do relacionamento vivenciado pela criança através da observação dos pais ou mesmo antes com o contato materno inerente aos mamíferos. Com o surgimento dos hormônios as relações impelem à aproximação sexual. Porém, devido a proeminente capacidade cerebral  os indivíduos são impelidos também a nutrir sentimentos e a ideia de construção de alicerces que posicionem enquanto animais sociais.

Ao ser dotados de passionalidade e intuição, o ser humano julga que a sensação de completeza ocorre quando se é visto no outro reciprocamente. A troca de experiências cotidianas e um projeto em comum fomentam a confiança. Dai a completeza nasce ou se concretiza na segurança.

Num mundo em que é priorizado o prazer individual, a sensação de completeza é ameaçada por qualquer oscilação em um dos indivíduos. Pequenas insatisfações podem fazer com que o outro se sinta ameaçado. Os planos podem ser feridos e uma mínima quebra na harmonia pode destituir esse prazer imediato causando o rompimento. Ao se incorrer em diversos relacionamentos a insegurança prévia aumenta, causando mais expectativa para a próxima tentativa forçando o casal a gastar mais energia, gerando frustrações maiores, proporcionais ao investimento.

Mesmo num mundo ideal, por mais entrosado que um casal seja, não se comportarão de forma uníssona como um corpo apenas. São dois indivíduos distintos que se interagem como casal. O ser contempla-se em si somente. Não existe ser fora do ser, logo, o outro é não-ser, portanto, não pode delimitar fronteiras de um outro ser. O que define um indivíduo é fruto apenas de si, da percepção e predileções cuja influência externa ocorre exclusivamente em função do próprio indivíduo.

Para suprir a necessidade de completude o indivíduo deve traçar suas fronteiras existenciais, bastando a si próprio. Deve estar seguro dos seus objetivos e do que o caracteriza, seguro de seus limites entenderá que não modificará as bases existenciais de outrem. O relacionamento será o caminhar paralelo de duas existências distintas. Estes caminhos seguirão na mesma direção enquanto cada um individualmente mantiver as características que delimitam seu ser.

Ainda assim,  delimitar as fronteiras de si não significa completude. Na verdade a completude não existe, visto que somos um eterno devir, sempre deixando de ser e se tornando algo ligeiramente diferente a cada momento. Notem que até agora referiu-se à completude enquanto sensação, porém se ela fosse atingida haveria estagnação no tempo e no espaço, a existência se resumiria a um estático presente.

Porém, ao ser individualmente completo, não haveria a necessidade de se relacionar. Sendo a completude intangível per se, devemos buscar a sensação, a qual, conforme exposto, é um esforço individual. Esta sensação fundamenta alicerces para o fortalecimento que impele a admitir certa incompletude na completude, sem abalar-se ou mesmo deturpar a compreensão de si em função desta abertura. Ocorre, destarte, a busca pelo outro. Se o mesmo processo ocorrer em ambos, haverá uma caminhada paralela amadurecida, fundamentada na eterna incompletude de seres cientes da própria completude.

Textos complementares:
Mediastino
Aqueronte seco
Sublimação
Sobre "Noites brancas", Dostoiévski

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