Sublimação


Entre a coragem da fuga
e a covardia da mudança.
Preencher o sentimento repleto
com o vazio do vago encefálico cordato.
Não contar as horas para ver-te
com números irracionais proibidos.
Não devanear tocar-te
por sentar em calçadas concretadas.
Imaginar o macio da tez
fragmentada na brita.
O sol da manhã a banhar sua íris
na forja do aço.
Lágrimas vertidas como chuva
fria sem abrigo.
Timbres de pássaros
em fumaça de escapamentos.
Respirar-te
tendo asbesto no tórax.
Na saciedade ter como severo amigo a fome.
No desfalecimento a epifania.
Na semente o desmatamento.
Sim, este sentimento grego amianto
deve ser sublimado à pragmática telha.
Não se queixe das estrelas que perfuram o zinco e benfazejam o chão.
Nem desdenhe a valsa sem par.
Negue a ordem natural e salte estados.
Não sonhe, sublime.
Eleve-se ao estado dos deuses, rejeite o mais nobre dos sentimentos.
Afinal, se fosse nobre bastaria a si só.
Mas se bastasse a si só, seria impropério dedicar a outro.
Eis o enigma maior a interpor-se
entre o que devora e quem decifra.

Textos complementares:
Mediastino
Aqueronte seco
completude na incompletude
Sobre "Noites brancas", Dostoiévki

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