Mediastino

Face-a-face com a morte deseja-se a vida. Quando o gélido peito exala vapores e cristais deseja-se a chama. Numa cavidade que dimensiona o ser pode caber o tudo e o nada. O abissal ou um punho. Mas e quando a não esperança nos faz desejar a morte? Quando o conforto da hipotermia docemente leva as forças tragando-nos ao despenhadeiro do mediastino? É nobre o desejo de retornarmos ao âmago uterino, ao conforto da posição fetal, afinal, viver significa ir em direção à morte pelo outro lado.
Certo. Não pode haver nobreza na covardia em retroceder. Mas e interromper o curso da vida? Morrer como o poeta jovem? Na gota de sangue em que o cálice se quebra? Curiosamente nasce do preto e do branco o rubro que permeia a importância do mediastino. Sim. Esse abismo abriga um órgão cuja função é dar partida e encerrar a vida. E nos mostrar vivos e disparar e torcer e rodopiar e... finalmente parar.
Somente quem conheceu o sofrimento está preparado para a felicidade. Somente quem desejou a morte é digno da vida que recebeu. Não existe o reconhecimento sem a falta. A completude jaz na incompletude. A felicidade última do ser consiste em amar. Sendo assim, o amor a cada um deve bastar.
Possivelmente para amar deve-se esvaziar o mediastino e torna-lo o maior dos abismos, para, destarte, caber o sol. Sim, o sol. O mesmo sol que queima trás a vida. O mesmo frio que congela é o que doma o sol. A morte motor da vida. Para seduzir a chama é preciso conhecer o glacial. Mais que isso, é preciso conviver com lava na Sibéria. Domar seus cães e correr o deserto de si. Qual o rumo? O do acaso do mediastino abissal de um outro preparado para o acalanto da vida e o acalentar morte. E este percurso, meus amigos, remonta a melhor das sensações, o convívio harmônico das quatro estações no peito de quem ora colhe flores, ora incinera o jardim, semeando-o a aspirar sabiamente seu retorno.

Textos complementares:
completude na incompletude
Aqueronte seco
Sublimação
Sobre "Noites brancas", Dostoiévki

Um comentário:

  1. Prezado Felipe,
    falta-lhe uma crase no a antes de morte... "viver significa ir em direção a morte pelo outro lado"
    No mais, invejo tal escrita. Parabéns, eliseu

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