Odisséia pueril - parte 1

Estes disformes versos foram deflorados há muitos e muitos e muitos anos, talvez uma década ou uma dúzia. Na época subestimei seu potencial, porém hoje levo tal intento com um jocoso sorriso de esgueira. Divirtam-se, caso o faro seja de seu paladar. Afinal, esta não passa daquelas historinhas pueris que testam nossa paciência...




parte 1  parte 2  parte 3  parte 4  parte 5  parte 6

LIRA PRELUDIANDO O CAOS

Na diáfana manhã se estendia
o que seria martírio para a vida.
Prenúncio de metamorfose alucinante
pairando sobre uma mente calcinante.

No percurso de enfadonhos estampidos
a saltar sinuosidades e desvelos.
O caminho agonioso de paralelepípedos
velozmente repelia-nos sem zelo.

No estranho submundo das pendências
a nova edificação se conhecia.
Nômade vida de brandas penitências,
depara-se com altaneira adolescência.

Ansiedade pousada sobre os ombros.
Amarelos corredores percorrendo isento.
Passos mal calcados por pés congros,
Olhos perscrutando novo alento.

Eis que a etérea visão se aproxima,
Dentre tantas visões a inquirir:
Quem é o novato a se introduzir?
Quem é a detentora daquele par de imãs?

ESTENDE-SE MISTÉRIO DURADOURO

Esclarecida a procedência do indivíduo,
instalam-no posicionado no improviso.
O cotidiano dilui-se como precípuo.
Postergando a querela interna sem aviso.

O atávico sentimento lusitano
Está prestes a renascer seu fado e glória.
Prestimosa juventude e seu arcano,
Alevanta ascendência ibérica sem deplória.

A primeira das noites inquietas,
permeada pelo ruidoso brado do mar.
Suores, labor das horas infinitas,
desbravando as planícies do insurgido amar.

Facínora aquele que implantou no homem,
tal vocação para aterrar-se em afronta
ao pacífico equilíbrio enquanto gérmen,
aturdindo abrasante sem remonta.

Por que malogras tal sentimento procurado?
Qual erro o faz chamar desditoso?
Se falta na vida alcunham-no desafortunado.
Se excede o chamam por fogoso.

Bem sabeis, pode há alto pedestal erguido
quando corações batem em alinho.
Mas na bronca queda jaz dolorido
quando vive no martírio sozinho.

Nova aurora rompendo tempo escuro
Afugentai estrelas de lúgubre luz.
Dilacera-me enquanto a dor não produz,
tentáculos urticantes façam brilho puro!

Corra veloz, condução nefasta.
Leve-me para aquela misteriosa alma.
Resplendor da face pura afasta
envolvendo-me em miséria e trauma.

SOSLAIO INTERMITENTE

Penso estar em níveo trono.
Querubins apontam suas liras.
Zéfiros sopram cânticos sedosos.
Em manto suave enlevo pensamentos.

No peito a primeira chama colhe.
Indago: - Que sentimento é esse?
Pode ser isso amor que a força tolhe?
Pode ser a paixão que me desfalece?

E ela, tão distante dos meus porvires...
Como vê o mundo gigante?
Será a Terra pequena como sua íris?
Será maior que meu peito arfante?

Temo ofuscar me ao apontar a face.
Subitamente de rei em meus gestos,
viro escravo a mercê de sua vontade.
Tens o poder de fulminar sem manifestos.

Desejaria uma divina bondade,
que suas duas pérolas trouxesse.
Para que ao menos sua voz degustasse,
Nesta confusa jovem mente, disparidade.

AFASTA DE MIM...

Cale-se! Pensas tocar o firmamento!
Presunçosa inexperiência sem pudor.
Mente ingênua sem fundamento,
pare de chamar em vão ao Senhor!

Mova-se deste estado letárgico.
Volte a respirar em normal cadência.
Para que temer final trágico
se na fronte tens a pueril adolescência?

Para que temer em irromper impulsos?
Contê-los somente o deixará na inércia.
Jamais terá seu rubros lábios voluptuosos,
Nem braços, abraços e peripécias.

És mais abstrato que concreto.
Amas mais o amar que a amante.
Glorificas a chaminé que ao asbesto.
Sem calmaria, num tornado delirante!

Cavalgas em imaginários pégasos.
Despencas em vales de unicórnios.
Desvelas cortes, adornas noturnos vasos.
Caminhas displicente em seus domínios.

Às margens de rios alimentados por ânforas,
Vê tenro idílio a depositar-se.
Molhas, solta, as madeixas sem vergonha,
No mesmo rio que Afrodite usa para banhar-se.

No incólume campo se desponta,
na ensaboada bolha que o leva
Num estouro a realidade apronta,
Uma prova que sua cabeça vela.

Desperta! abra sua gramática!
Drummond está no meio do caminho.
Qual é a solução para esta análise sintática?
Na deriva, o português meu desalinho.

A PRESSA DA PRECE

Anjo traga-me a mensagem,
dos meus votos elevados ao Excelso!
- Meu filho, ela é de carne, não uma miragem.
Não importunes com seu bradar em excesso!

O que faço se a dor é tanta?
Ergo tal barreira invisível...
Não sei a quem clamar senão à divina e santa.
Preciso superar tal muralha intransponível.

Nada ouço. Movimentarei o belo e o ideal.
Permitas eu emanar tal desejo transcendente.
Alimentar-me deste sopro imanente.
Deixar voar a alma em cada ponto cardeal.

QUERO FALAR CONTIGO

Dias no recôndito observo
cada suspiro, feito ou gesto.
És tão bela, seria teu servo.
Mas nada faço, nada manifesto.

Como inventar oportunidade?
De onde virá tal pretexto?
Se fico a imaginar como tu és,
termino por compor um soneto.
mas temo, como quem se aproxima de uma divindade.

No meu ventre estranhas reações.
Minha garganta seca a voz.
Na mente jazem brutos vulcões.
Mão trêmulas, nada entre nós.

De onde vens? O que sonhas?
Minas Gerais, quero ser médica.
Coincidência! Mesma origem remontas.
Na profissão desejo a mesma prédica.

Breve conversa.
Preciosa esmola.
Reduza a pressa.
Deixo a escola.

LABOR, LANGOR.

Qualquer labuta serve
para com outros pensamentos ocupar.
Quando anseio deixar o que se deve,
nada faço, senão trabalhar.

Porém, o rádio sopra impertinente
melodias tristes de simples gente.
De poesia barata, fácil e romântica
trazendo a memória daquela que encanta.

Nem mesmo, ambulante, a percorrer
de pés descalços a água do mar.
Dos fardos o provento, mas nem ao morrer.
Despedirei deste pesado amar.

continua...

parte 1  parte 2  parte 3  parte 4  parte 5  parte 6

Nenhum comentário:

Postar um comentário